Sul da América do Sul

Espinhos d'uma garganta

que engole

a própria saliva

a própria existência líquida

enquanto o corpo

é de poeira

de feridas

de ressecamento

de forma sólida-física

e verídica:

a saudade

tem seu tempo

após o adeus

e o sabor

é uma memória

ainda mais dolorosa

quando se trata

de um beijo

de adeus

em lábios

de batom vermelho

de toxina

e vício

de entrega

sem regra

nem piedade

com o coração

estilhaçado

que nunca

se recuperará

de fato

Linhas vermelhas

percorreram o meu corpo

com uma essência

de sensibilidade sem erotismo

e mãos utilizavam

do tato

que fora permitido

no momento

antes

da queda

na terra

sem flora

em meio a uma tarde

tão vaga

enquanto os seres

ocultavam as verdades

em minha epiderme

a fim de remover

teu aroma-memória

de mim:

o meu coração morre

e renasce

todas as vezes

e as minhas cores

não são capazes

de representar

teu olhar

nem mesmo quando

me afasto

do dia a dia burocrático

Ter ossos e carne e órgãos

e gravidade

e a química de misturar

e nunca

me encontrar

nos tubos de ensaios

nem nos balões volumétricos

de 500 ml:

é a minha gravimetria irrelevante

que me parte

e que se dissolve

aos poucos

n'água do chuveiro

– esta metamorfose

que não desejo

este trocar de pele

que não desejo,

mas não a cor vermelha

para o laranja

que eu via em teus olhos

quando o sol nascia

e se perdia

quando tu estavas chegando

com todos

os pensamentos

do ontem:

eu disse adeus tarde demais

e me declarei

para as paredes

rachadas

e brutalizadas por pregos

enquanto tu

estavas

do outro lado do mundo

se comunicando

num idioma

cuja bandeira

mescla o branco

e o azul

e tens o sol

como centro

assim

como eu tivera um sol

no centro

do meu corpo:

o meu amor

é um relógio atrasado

que nunca será adiantado,

pois o que fora belo

permanece

no passado

com o sol nascendo

em meio ao frescor

do hortelã

e com a breve escultura

do teu silêncio