O JÁ PERDIDO

“Amamos lo que no conocemos, lo ya perdido” – Jorge Luis Borges

Amo o que não conheço, o já perdido.

Os tempos que já lá vão

E que não mais voltarão.

A doce recordação

Dos sonhos que jamais se realizarão.

O áureo porvir que nunca veio.

O milagre que esperei em vão.

A normalidade que não tive.

A vida que não vivi.

O que deveria haver sido e não foi.

A tranquila rua de arrabalde

Que se tornou movimentada via

Do Centro de uma grande Metrópole.

A bucólica paisagem

Agora coberta de arranha-céus.

A garoa que já não cai sobre São Paulo.

O chalé na montanha há muito derrubado

E as pereiras e os pessegueiros em flor

Há muito cortados que de sua janela se avistavam.

As violas há muito emudecidas para sempre.

A valsinha triste que jamais escutei.

A luz verde-azulada do velho lampião a gás

Que nunca me iluminou.

O amor que jamais senti

E que em vão tentei ao menos

Fingir que sentia.

O caminho tal como o imaginei,

Sem a pedra que tinha no meio dele.

Os romances de Tolstói que nunca li inteiros.

Os poemas perdidos de Sócrates e Platão.

As obras de Aristóteles que também se perderam.

A saudade, mais que a leitura,

Dos romances e novelas

De Thomas Mann e Yukio Mishima,

Dos romances de Alencar e Plínio Salgado,

Dos contos de Machado de Assis, Ribeiro Couto,

Valdomiro Silveira e Guimarães Rosa,

Dos versos de Verlaine, Álvaro de Campos,

Guilherme de Almeida, Manuel Bandeira, Tasso da Silveira,

Rodrigues de Abreu e novamente Ribeiro Couto,

Das biografias escritas por Edgard Cavalheiro e Raimundo de Menezes

E dos livros cheios de imagens de castelos e cavaleiros

Da infância.

E, sobretudo, a saudade daquele que não fui

Mas julgo que deveria ter sido,

Embora isso fosse impossível,

E dos sonhos que sonhei em menino

E na enevoada lembrança continuo a sonhar.

Ao longe, numa rua qualquer

Da minha Cidade Interior,

Chove docemente

Sobre o já perdido.

Victor Emanuel Vilela Barbuy, Santo Amaro (São Paulo), 15 de agosto de 2015.