Dor e redenção

Dor e redenção

Nem mesmo o leito pedregoso d´um rio

Poderia salvar-me de ti

Nem mesmo as esferas de prata

Que brilham esparsas n´abóbada celestial

Nem mesmo os pequeninos planetas

Nem mesmo o saber que s´esconde

Sob a penumbra infinita da noite

Nada, nada mesmo

Poderia salvar-me de ti

Meu amor é a tragédia

Que com ares de comédia

Dela ri, p´ra no final

Chorar até a exaustão

Até meus olhos chuparem

Da fonte da vida carnal: o coração

Pois, desavisadamente,

Te dei minha pele, para que te aquecesses

Te dei meu corpo, para te fortificares

E não somente a fim de fornicares

Me entreguei inteiro assim

Meus ossos ainda hoje te sustentam

Mas nada mais sobrou de mim

Aquele que fui ante de ti

Aquele deixou d´existir

Sei me destes liberdade

Liberdade p´ra partir, p´ra não sofrer

Ou p´ra morrer – que t´importaria

Mas eis que nesse dia

Somente nesse dia

Descobri que sem ti não mais existia

E nem remotamente previa

A vida sem ti – não seria viver

Pensei em morrer, mas não poderia

Pois ainda dependias de mim

Meu rosto tremia refletido na água

Ainda queimado de lágrimas

Enrugado de solidão e tristeza profunda

As mãos me tremiam ainda apoiadas no chão

E as costas curvadas desta dor que vem da alma

A boca, mole, já não fala, balbucia

Sorrir? Já esqueceu p´ra que servia

Mas não tu. Tu, não! Vejo sorrias

Sorrias inocente, bem sei

Estás feliz – não te culpo

Mas em outra companhia

Pudera fossem meus aqueles olhos

Onde os teus se perdem infinitamente

Pudera ter aquela pele

Cujo toque inflama a tua tão intensamente

E que minha fosse aquela boca

A quem ouves tão atentamente

Que por mais que eu gritasse, nunca

Nunca escutarias

Meus dedos, cravados no chão, desintegram

Há neles o cheiro da morte

E a terra o sente, devorando-os

Meu pai me ensinou a ser homem

A vida ensinou-me outro tanto

Mas onde aprender a não sê-lo

Pois deténs os meus braços

E minha pernas, e sempre os terá

T´os dei sem pensar em tirá-los

Te dei meu espírito

E agora não sei resgatá-lo

Na força, sou fraco

Na vida, sou morto

Em ti, sou um outro

Empenhei-me em amar-te

E, agora, não sei existir

De repente, me olhas

De longe me notas

Levantas e andas

E quase que corres

Temias que eu fugisse?

O que – sim – eu faria

Se não desfalecesse

Já temendo que morresse

E que então em vão sofresses

Por minha causa

Não ouvindo o que dizias

Me abraçaste longamente

Como um ser inanimado

Me deixar ficar parado

Pois meu peito sufocado

Se falasse, se abriria

Como uma ferida

A maior, mais dolorida

Que porta a morte, ou redenção

Que me auto-infligi, mas que não

Preveni no decurso da vida

(Djalma Silveira)