AI DE TI, HAITI.

Uma mão surgindo do nada e arrasando tudo.

Quando o tempo parecia sereno, desarmado e calejado,

surge outro tempo, agora zangado, sofrido, arredio, mal amado,

desincorporado de vida ou de qualquer fiapo de fé.

Um pássaro zunindo nas estribeiras do caos,

labaredas de medo ganindo feito baratas-tontas em fetos jogados ao léo,

garrafas ocas e úmidas jaziam nas rebarbas das vielas esquecidas,

banidas e infitivamente bastardas.

Os passos foram cravejando suas amarras embebidas com suor vencido,

as mãos foram se arrastando por pedaços de pão, por réstias de luz,

por afagos quaisquer, por frangalhos quaisquer.

As barrigas foram se esvazando e gritavando por ar, por um vintém imberbe qualquer, pela xepa mais grotesca desse mundo,

por um cuspe que pudesse estancar um teco dessa dor.

Lembro das casas reviradas do avesso, como se curvassem à morte.

Lembro das crianças atirando seus sangues nas gangues ciganas de lá,

lembro das pétalas caindo feito membros putrefatos de uma alma perdida, calejadas nas entranhas e dilaceradas pelos dentes caninos e podres do infortúneo.

Mas o tempo é mais pleno e senhor do que esse furor atávico sem fim.

O desejo flácido e perene de vida terá suas mordaças renascidas e surrupiadas daquele fogo frio e embriagante da noite que nunca dorme.

O fungo que divaga nessa metástase não será capaz de traduzir toda a praga maldita e nem, tampouco, rasgar seu véu de noiva abandonada, estuprada pelas suas próprias vísceras, pelos seus próprios irmãos, pelo seu próprio destino, pela sua própria fé.

Quem sobrou daquele inferno ainda poderá se arrastar pelos calendários alforriados das feridas que nunca se cessarão,

quem restou daquela farra anda terá gana para se embebedar dos restos de vida que ousarem resistir.

Quem não se findou naquele lamaçal do demo certamente terá muito o que rir no final dessa desgarrada folia, desse golpe de misericórdia sem par.

Ai de ti, Haiti. Ai de nós, que estamos tão longe e tão perto de ti.