Eu

Desejam-me sucesso

como se a ele eu tivesse acesso.

Eu sou o pária do progresso

e o profeta do retrocesso.

Sou o canceroso possesso

e o infeccioso abcesso

que urge extirpar

do sacrossanto lar,

onde familiares rituais

celebram hipocrisias semanais.

Dizem: ele, adepto de Jean Genet,

prostituto michê,

que feneça como papel machê,

ou a moda de crochê,

que em certo tempo fez a sunga,

doutro pária que lhe comunga.

Que afastem esse celerado

das muralhas do Fascismo restaurado.

Exilem esse velho marxista

para longe do sonho consumista.

Esse pseudo poeta

que teima fazer a curva reta

e dizer a Oração secreta.

Que o cubram de palavrões

e de nossos amados chavões.

Avisem-no de que aqui não se permite

o bobo que confronta o limite.

Que seja errante

como o judeu passante.

Sem destino, sem chegada;

ele, e sua "alma lavada".

Ele, o horror, que nos mostra o Nada,

da nossa crença santificada.

Expulsem essa figura pré histórica

e sua ensandecida retórica

de que o Homem é só a sua memória;

mas que vale mais que um mero salário,

pois é um milagre diário.

Digam-lhe que ele é solitário

e que faz falta no obituário.

Exaltem-lhe falsa virtude,

e neguem a fúria da ex-viúva

por suas dividas amiúde.

E depois, cavalheiros,

sobre seu ataúde

brindemos à nossa saúde!