Setas Invertidas (Inadequação)

Setas Invertidas (Inadequação)

Ela chega, no meio da noite ou do dia, e sem precisar de convite se instala, calada, de cara fechada, maneira arredia.

Não diz de onde vem, nem nos deixa perceber o que realmente ela quer; é como um calo doído, um espinho cravado na sola do pé.

É flecha no peito nos pegando de jeito como doença sem cura. Faz nossa voz mais pausada, nossa alma pesada sem saber o que é

Que nos torna inativos, semblante introspectivo, descontentes de tudo, a cobrar de nós mesmos, mais cor, mais sabor – mais amor, mais poesia.

É a noite que corre, certeira, letal; trazendo em seu bojo nossos sonhos secretos, um querer mais concreto, um viver mais real

Que nos traga mais doce compensando as agruras dessa vida sem sal de mendigo descrente, amargo, doente, a pedir prá partir

Como óbulo recebo, um pensar mais ameno, a me fazer mais sereno, confiante no dia que já vai começar, em um sol renovado, em eterno devir

Esta minha visitante, a me olhar de soslaio, buscando saber de meus vôos sem rumo, devassando minha alma, a solapar minhas certezas, tem olhos profundos, e um beijar sem igual.

Seu nome é Tristeza; tem um andar de princesa, de querer cambiante, nebuloso, solvente, como fora de alcance de meros mortais presos em sua órbita de enigma e paixão

É parceira constante de poetas, de vates, de quem volta prá si um olhar de perguntas que não querem calar, que a outras se juntam sem poder sufocar

No entanto, é preciso confessar sem demora; ela é muito importante, mesmo quando importuna sempre fora de hora, com questões doloridas que insiste em abordar

Faz-nos mais consistentes, mais firmes, presentes nessa Terra volátil, de pessoas que pensam de modo tão fútil, como se tivessem no peito um bloco de gelo em lugar de coração.

Há dias em que nos sentimos ausentes de nós mesmos, como se, de repente, deixássemos de habitar o nosso próprio corpo. Não é preciso uma razão objetiva para que essa sensação deixe a sua marca: ela chega, se instala e começa o seu reinado de duração imprevista, podendo variar de horas, ou até mesmo dias, até que a nossa mente volte a enxergar o brilho do Sol, a se encantar com a graça de um peru a exibir o seu leque de cores, como um pavão rudimentar. Então percebemos que é chegada a hora de um novo recomeço, de beber da água renovada da alegria de viver.

Vale do Paraíba, madrugada da primeira Quinta-Feira de Agosto de 2009

João Bosco

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 27/05/2010
Reeditado em 28/11/2019
Código do texto: T2283620
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