Alma nua

Esfinge dentro de mim, desperta! A ti eu imploro socorro. Decifra-me, traga-me das profundezas perdidas, longínquas falas dispersas.

Afasta a fronteira do espelho, jogues prá longe a coberta que me oculta, disfarça, as imensas feridas da alma.

O torvelinho me atrai, dicotomicamente me assusta, agasalho-me no negrume da noite, a solidão me acalma.

No olho do furacão encontro abrigo seguro, o dia claro me espanta, contemplo o pôr-do-sol de cima do muro – assisto o Nascente às avessas.

Uma torturante apatia impregna o meu Ser continente, das gentes o formigar satisfação não me propicia - antes avoluma meu insulado fenecer.

Cofio a barba, indeciso, olhar ao longe perdido; foscas imagens de outros tempos, dão severo combate renhido à mente febril, indefesa.

Hostes de inadequação acossam meu Universo presente, torres de fantasmagóricas recordações defendem com denodo e avareza

O latifúndio do Antes, de quando ainda era um infante a cavalgar pelos campos, a tomar banho de rio, distante deste hipócrita navio infestado de ratos em que sou obrigado a viver.

Tu, Esfinge passiva, compactua de forma nociva com este amortalhado proceder; não avalias o mal que provocas ao permitir que se fechem as comportas – que se finja ao invés de fazer.

Minha alma nua, despida, balouça ao chicote do vento, o desespero cinge-me a fronte, algema os meus pensamentos; pergunto-me por que quero partir – Inútil: eu não sei responder.

A imprecar às paredes me ponho na falta de interlocutor, preencho minhas próprias lacunas em solitário voar de condor; as lágrimas teimam em sair – nem sempre as consigo deter.

Funâmbulo de versos malditos, menestrel de canções renegadas, divorciei-me algures da fé, desta fé de olhos postos no chão, de joelhos medrosos a tremer...

...às rosas fáceis, beatas, prefiro os agnósticos espinhos; se há dúvidas a prospectar não recuo – é vital que as possa entender.

Quando a nossa voz não alcança ressonância no mundo externo é chegado o difícil momento de interrogarmos a nós mesmos, convocar os nossos fantasmas e, numa conferência fundamental para a sobrevivência de nossa sanidade, responder sem subterfúgio, os questionamentos dos quais teimamos em fugir. Depois disso, com a alma lavada e a cabeça erguida, enfrentar o que a vida insiste em nos colocar no Caminho.

Vale do Paraíba do Sul, tarde da primeira Quinta-Feira de Novembro de 2009

João Bosco

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 28/06/2010
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