TENHO VIDA

Voraz, num repente afloram lembranças.

Tenho pressa, tudo quero lembrar, rememorar,

fatos que marcaram minha existência saudosa,

e, quedando-me num silêncio amargo,

sofro calada e amargurada, para minha tristeza.

Sou inanimada, não penso, não falo, não ando, não corro,

no entanto, tenho vida, nasci, cresci, dei vida, sofri dissabores,

em tenra idade, fui fraca, lutei para sobreviver, vivi alegrias,

cresci gigante, encorpada, corajosa, enfrentei desafios.

Lembro, anos atrás, viçosa, irradiante, beleza perfumada,

acolhia pássaros cantantes que em mim faziam seus ninhos,

dava sombra aos passantes que, cansados e estafados,

refaziam em mim suas forças após suas duras jornadas.

E as crianças travessas, possuidas de febril energia,

subiam em mim, sabendo-me amiga de suas travessuras,

e qual mãe que amamenta seu filho, dava-lhe meus frutos,

sentindo-me gratificada em tê-los saciado a fome.

Ternas lembranças, efêmeras lembranças, tudo em vão,

agora julgam-me inoportuna, atrapalhando, tomando espaços,

eu que presenciei fatos, fui protagonista, conheci histórias,

devo dar lugar ao progresso, que é novo, não respeita tradições.

Tramam contra minha existência e fazem-se de juizes algozes,

dizem que sou destruidora de solos e perigosa à existência humana,

me consola ter defensores, mas não adianta, suas vozes se calam,

agora rejeitada, mutilam minha carne e despem meus despojos.

14-07-2010