Falar Do Vale

Muitos me perguntam

Porque eu não falo

Em meus poemas muitos

De um certo escravizador

Chamado amor...

De Shakespeare

A Vinícius,

Muitos dele já falaram,

Já fizeram mundos,

Universos originaram...

Por que continuar

Um trabalho de mestres

Que um aprendiz como eu

Faria parecer desastroso plágio?

Prefiro ser mestre

Em falar do vale,

O Vale Dos Poetas Perdidos,

O vale daqueles que foram

Sonhadores sofredores,

Filhos de uma

Mãe Natureza insensível,

Álvares,

Florbela,

Poetas da dor,

Poetas de dor,

Poetas na dor

Poetas,

Dor,

Dor,

Poetas...

São com eles que eu caminho

Nas paragens incandescentes

Desse Vale,

Onde flores morrem

Sem verem o próprio morrer,

Onde a terra é estéril

Enquanto a chuva eternamente cai,

Onde o silêncio é o ar,

Um ar de longe,

Mais longe,

Muito longe,

A nos envolver

Em atmosferas rijas

Da pura angústia,

Angústia que anula,

Angústia surda,

Angústia mãe,

Mãe,

Mãe,

Mãe,

Da poesia que fazemos...

O Vale

É o nosso cemitério abençoado,

Nele estão

Todos os angustiados,

Todos os amaldiçoados,

Todos os estranhos seres

Que viveram em épocas

Longe do hoje,

Perto do ontem,

Acima do amanhã,

Amando para um nada,

Tentando tudo para o nada,

Caminhando para ele,

A acolher pela Eternidade

A comunidade única

Dos poetas das lágrimas

Vertidas,

Vertidas,

Vertidas,

Sempre,

Sempre,

Sempre...

Todos nós,

Dessa comunidade,

Nascemos na tristeza,

Nascemos da tristeza,

Falamos da tristeza,

Porque esta é

A magnânima certeza principal

Que temos

Ao final

Do Vale,

Final que inicia,

Final sem término,

Final inicial,

Infinito Vale,

Infinito Vale,

Infinito,

Vale,

Amargo lar,

Amargo lar,

Amargo lar...

Soubemos amar,

Sabemos sofrer,

Humanos fomos,

Humanos somos,

Ainda infelizmente

Somos humanos,

Ainda fracos

Humanos,

Ainda impotentes

Humanos,

Ainda fracassados

Humanos,

Humanos,

Humanos,

Humanos,

Tão fracos,

Tão impotentes,

Tão fracassados...

Queríamos ser Anjos

Neste Vale,

Fazê-lo um paraíso

Onde o sorriso reinasse,

Onde o fatídico amor

Para nós homicida

Não nos desesperasse,

Onde todo o onde fosse

Felicidade,

Felicidade,

Felicidade,

Ó,

Distante felicidade...

Não somos Anjos

No Vale que nos pariu,

Somos raízes

De árvores que não nasceram,

Matagais secos

Mortos pela sede inacabável,

Animais racionais

Com irracionais ais,

Ais,

Ais,

Ais,

Nosso Apocalipse particular...

Respondi aos que me perguntam

Porque eu não falo

Do escravizador amor

Neste poema longe

De Shakespeare

E Vinícius,

Neste poema

Amigo derradeiro

De Álvares

E Florbela...

Estes meus dois amigos

Escreveram-no comigo

E choramos juntos com outros

Enquanto o escreviamos

Falando do Vale,

Nosso Vale,

O Vale Dos Poetas Perdidos...

Vale,

Vale,

Vale...

Poetas,

Poetas,

Poetas...

Perdidos,

Perdidos,

Perdidos...