A Menina dos Olhos Tristes

Caminhava,

Naquela estrada,

Chão de terra,

Poeira nos olhos,

Quando me deparei,

Com a presença da meninada.

No meio dos guris rotos,

Com pé descalços,

Via-se uma menina separada,

Clima sombrio,

Relevo amargo,

O ar alegre dos outros se fez falso.

Desvia rapidamente o olhar,

Ela me encarava com firmeza,

Fui aos poucos me afastando,

Mas marcado pela impressão,

Muito próximo estava a sua imagem,

Por aquele olhar que esvaziou minhas certezas.

Durante o dia,

Só vinha à mente,

Aquela presença passada,

A memória insistia,

Por mais que o pensamento negasse,

Assumi o mesmo aspecto deprimente.

Na cama,

Tentando adormecer,

Uma sombra maior pairava,

Fitando-me, malígina,

Insone, segui pela longa madrugada,

Ansioso esperei o novo dia nascer.

Voltei ao mesmo local,

Caminhante de horário repetido,

Buscando o olhar de outrora,

Passos firmes,

Os garotos haviam sumido,

Ela estava no mesmo ponto do caminho.

Olhos brilhantes,

Brilho de um negrume brumoso,

Fez-me gelar por dentro,

Revirou-me as vísceras,

Emitia forte poder, era comovente,

Eu que estava radioso, me vi chuvoso.

Em breves segundos,

Pensei em interpelar a criatura,

Mas me contive,

Um receio impediu o gesto,

Seguindo adiante,

Mantive no peito a aflitiva dúvida.

Qual seria o motivo da tristeza?

Aqueles olhos são tristes,

Chegavam a entristecer o que tocavam,

Passei de um momento primaveril,

A frio inverno sentimental,

Influência assim, duvidava que existisse.

Deveria morar naquele lugarejo,

Pobreza vista com fartura,

A expressão naquela face dura,

Pode ser a hermenêutica da miséria,

Onde se amadurece cedo,

Ingenuidade infantil vira amargura.

Não sei características físicas,

Cor dos cabelos, comprimento,

Vi que estava vestida,

Não sei com o que,

Só o olhar me dominava,

Me desnudava em atroz sofrimento.

Certa vez pensei em compartilhar,

Relatar o fato assombroso,

Mas era algo particular,

Imaginei que tinha um propósito,

Guardei comigo,

Tornou-se meu motivo mais misterioso.

Num dia qualquer,

Resolvi contemplar uma terceira aparição,

Dessa vez existiam mais pedestres,

Ninguém se dava conta,

Naquele matagal,

Ela me fitava com macabra devoção.

Num surto,

Imaginei-me esquizofrênico,

Talvez outra patologia da mente,

Um doente [de]mente,

Criando um mundo à parte,

Tendo a isca de uma jovem num ardiloso engenho.

Passei meses,

Naquela mesma trajetória,

Aqueles olhinhos melancólicos,

Engolindo cada parte de mim,

Pensei em assassinar a infantil figura,

Mas fui seduzido por essa vil misantropa.

Em um final de tarde qualquer,

Ela não estava mais lá,

Procurei mato adentro,

Nada consegui encontrar,

Ninguém soube me informar,

Como se jamais tivesse existido naquele lugar.

A forma mal definida,

Esquecida em breve fechar de pálpebras singelas,

Mas aqueles olhos abertos,

Não interessa o resto do corpo,

A menina dos olhos tristes,

Continua e continuará a me sondar pelo tempo que ainda me resta.