O MUNDO É ENORME
Diz quem sabe
Que o mundo é pequeno
E cada dia menor será…
Será?
Então, porque se afunda o navio
No mar tumultuoso, à vista de terra,
Da multidão que nos rochedos
Em lancinante choro se agita,
Desesperados, os náufragos
De estendidas mãos ao temporal
Implorando a vida e recebendo a morte?
Diz quem sabe
Que o mundo é pequeno
E cada dia menor será…
Será?
Então, porque se enrodilha o pobre
Pelas pedras nuas da calçada,
Entre andrajosos farrapos escondido,
Em alucinantes visões perdido,
Confuso, cego, imundo,
Em surdo ou murmurado apelo
Pedindo o pão e recebendo a fome?
Diz quem sabe
Que o mundo é pequeno
E cada dia menor será…
Será?
Então, porque se encerra o meu vizinho
No ritual inócuo da sua educação,
Sorri polido, em lacónico acenar,
Se afasta, célere, chave na mão,
A afundar-se no cárcere fundo
Da sua crescente, imparável, amargura,
Querendo ternura e recebendo solidão?
Diz quem sabe
Que o mundo é pequeno
E cada dia menor será…
Será?
Então, porque choram aqueles dois seres
Lado a lado deitados sobre a mesma cama,
Isolados, de lágrimas encharcados,
Em soluços perpétuos, silenciosos,
Impotentes, incapazes de ultrapassar
A inexpugnável muralha que os separa,
Desejando amor e recebendo nada?
Diz quem sabe
Que o mundo é pequeno
E cada dia menor será…
Será?
Não sei como possa ser,
Se nem eu própria
Dentro de mim me encontro
Por vezes…
A propósito (ou não) do poema Mundo Grande
De Carlos Drummond de Andrade
Lisboa, 6 de Outubro de 2004