Minha mãe continua presa
Para me fazer entender, minha mãe teve complicações pós-parto quando do nascimento de seu sexto filho, eu sou o número quatro. Desde então, suas faculdades mentais foram afetadas, e vive, ( na verdade vegeta) num mundo só seu, de personagens que desconheço. Ela fala sozinha com os tais, e nada recebe em sua alma e mente, de estímulos exteriores. Nunca a conheci com saúde normal. Todos os que foram alfabetizados por ela, falam de uma pessoa dócil, compreensiva, que, infelizmente, não pude conhecer. Quando a visito onde reside, algo em seu olhar diz que me reconhece, contudo, me chama por outro nome, cada vez um diferente, sua audição está agravada de modo a quase não ouvir; então, nessa data em que todos homenageiam às suas, rebusquei um poema que escrevi há uns dez anos, retratando a sina nossa.
Sei que não és perfeita,
mas é bela a missão que te legou Deus;
De dar vida a mim e aos meus,
troféus simples, mas são teus,
que nos vê, a ti espreita…
Mas essa garra que te prende,
ah, se alhures existisse,
algum mestre que instruísse,
pra um frágil vergar o arco de Ulisses,
e traspassar aquele que te ofende.
Quão grande seria tal momento,
júbilo e gozo completo.
De mim e da solidão ganhaste um neto,
um opúsculo com meu afeto,
pra que embales ao colo, esse rebento.
Fizeste de letras tua dita,
quando livremente te dividias,
meio a meio, os teus dias,
entre teus pupilos e tuas crias,
tua faina era bonita.
Por certo herdei de ti,
esse apreço pela escrita,
ocupação venturosa, bendita,
e agora que o dom palpita,
recordo o que aprendi.
E ver-te assim, em grilhões,
nas garras do desatino,
fere meu lado menino,
que roga ao Senhor do destino,
que desfaça essas prisões…