DEUS (Um tributo ao poeta Casimiro de Abreu)
Para onde vou
Não levarei comigo
A ânsia do desejo mundano que não serenou,
Nem as relíquias enferrujadas do mundo antigo:
Meus madrigais, minhas trovas de ternura,
Minhas auroras e penumbras de amor,
Meus carnavais, minhas horas de loucura,
Minhas lágrimas noturnas de dor...
A sombra do meu próprio mal ficará para trás
Em algum vale sombrio, distante e esquecido,
Onde descansará na mansidão da paz,
Numa noite eterna, num sono merecido...
Pelo gosto dos dias amargos que nascem na vida
Já não culpo meu signo, minha sorte,
Minha falta de jeito, ou tresloucada atitude,
Sequer o sopor da minha infância adormecida...
Não! Não há culpa nesta triste finitude:
A vida é tão inocente quanto a morte!
Para onde vou
Não levarei o grasnido que sobrevoa o mar,
O bramido da onda deslizante que rebentou,
Ressonância das praias cantantes que inspiraram
Meu espírito a criar um novo mar, em outro lugar,
Para viver, e morrer, e voltar a viver nos ventos
Serenos dos luzentes e coloridos pensamentos
Que tão lindas manhãs em mim desenharam!
Para onde vou
Não levarei das perdas o cruel langor,
Sopro de incerteza ardente
Da minha boca não se desprenderá,
Somente a leveza do canto sorridente...
Meu coração não sangrará
Lágrimas contristadas pelo sonho que acabou
Antes mesmo de sorrir para a vida, de florescer,
E de abrandar o tremor desta noite fria
Que em soluços desfaz meu riso, meu prazer,
Quando me fere o espinho do amargor
Que eu, para não sofrer, chamo de alegria!
E assim, de primavera a primavera, o tempo passa,
Regando no meu jardim as flores da despedida...
O orvalho da última noite transbordará minha taça,
E brindarei ao renascimento da verdadeira vida!
Para onde vou
Sonho nenhum que tive jamais sonhou,
Seus campos arejados e verdejantes
Olhos humanos nunca viram antes,
Sua paz é fruto do amor, e não da guerra!
Muitos são os caminhos, único é o destino:
Restituir este corpo aos braços da Terra
E voltar, na glória de Deus, a ser menino!