ELEGIA AO POVO GUARANI

O suicida não quer se matar - quer matar a sua dor.

- Elegia ao Povo Guarani -

Delasnieve Daspet

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Trago, hoje, meu canto triste, doloroso, de luto, de mágoa,

Num sentimento que me corta a alma...

Nênias para quem não entendeu que não existem mais fronteiras,

que tudo acontece numa fração de segundo e reverbera por todo o universo.

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Uma grande máquina, desumana, caminha entre os homens,

mata os indefesos de fome, de frio, de falta de dignidade,

de vergonha, por usurpação de direitos.

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Ao contemplar a realidade vemos que a eternidade

é apenas uma palavra obscura...

E o Guarani-Kaiowa agoniza,

Sangra, e entrega seu sangue pela terra!

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Quantos assassinatos cometemos em nome da justiça?

Porque cada índio que morre deixa em nossas mãos

o sangue de seu cruel e covarde assassinato!

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“Decretem nossa extinção e nos enterrem aqui”

Brada o bravo guerreiro guarani-kaiowa,

ainda dentro de sua terra usurpada e ocupada

Um processo de invasão

Num longo caminho de opressão

Para não se reconhecer o direito coletivo

Do povo indígena.

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“Pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/

expulsão, mas decretar nossa morte coletiva e enterrar nós todos aqui.

Pedimos, de uma vez por todas, para decretar nossa extinção

dizimação total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco

para jogar e enterrar nossos corpos. Este é o nosso pedido aos juízes federais”

,

O direito à vida não pode se

Subordinar ao direito da propriedade,

A vitima fatal quase sempre é o índio,

Morte consentida!

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Recuso-me a ser cúmplice deste genocídio...

Os índios e os brancos são iguais em muitas maneiras,

Foi um só criador que fez todos os humanos,

Bebem das mesmas águas, corpo e espírito dos

Mesmos oceanos!

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Recuso-me a ser cúmplice de mais este assassinato...

Se somos diferentes, diferentes, também, são os

Pássaros em suas cores, nos seus cantos, nos seus modos.

Somos distintos - temos as nossas línguas, nossos sonhos,

Nossas cores e compressão diferente...

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Recuso-me a compactuar com esta violência...

Os índios preservaram e nos entregaram a nós e aos

nossos filhos a herança da criação.

Ocupamos a sua terra mãe.

Terra que eles cuidaram ciclos após ciclos...

E que agora, afirmam "Não terem e nem terão perspectiva de vida digna

e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui”

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Antes que tudo desapareça da face da terra

vamos parar e ouvir o canto da criação

com a mente e o coração...

Como podemos entender o desespero de uma decisão de morte coletiva?

Como aceitar que alguém vai morrer por ação ou omissão nossa?

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Parem. Pensem. Cheirem este ar puro que ainda resta... ouçam as montanhas ela chora de dor,

Ouçam os rios – suas lágrimas morrem nas ranhaduras da terra seca...

ouça o gemido da árvore que se contorce no fogo e na serra...

Ouçam... o espírito da terra esta coberto de cicatrizes e clama pela prudência do homem...

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Sintam a mãe terra e pensem um pouco nestes irmãos diferentes...

Pensem nos quantos que já desapareceram para sempre...

Vamos reconhecer esses irmãos que chamam a sabedoria milenar de sua gente

E nos respondem a cada violência com prudência e um pedido de paz...

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Enquanto o Guarani-Kaiowá agoniza, seu corpo, seu sangue, sua sina

de extermínio silencioso, numa desvalia extrema, a

auto-imolação é a última forma de ainda sobreviver.

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Pensem, sintam... todos nós olhamos o mesmo céu,

o mesmo sol, a mesma lua e compartilhamos as cores dos quatro ventos

Não podemos condená-los a vagar e vagar sem rumo e sem destino...

Estamos falando de gente, o que houve - o que há com a Constituição Cidadã?

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Lembremos que já andamos por todos os lugares, por todos os caminhos,

O horizonte sempre se esconde na terra, e,

O suicida não quer se matar - quer matar a sua dor,

Pachamama está encharcada com o sangue guarani

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“Co ivi oguereco iara" - "Esta terra tem dono!”

Assim falou nhanderu Nísio Gomes, agora,

vento que anda pelas trilhas deixadas pela ausência...

DD_DelasnieveDaspet - Campo Grande – MS – 25.10.12

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http://cercleuniverselambassadeurspaix-dd.blogspot.com.br/2012/10/elegia-ao-povo-guaranio-suicida-nao.html

http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=162678&cat=Poesias&vinda=S