Auto de Açucena

- Branca Açucena

que do fundo nos chega,

conte o que viu

para além desse palco

onde se representa viver.

- Pouco eu vi, poeta que pergunta.

E menos entendi,

pois o véu que o Mundo

nos obriga

roubou o que viam esses olhos

e essas mãos que a Terra

haverá de comer,

só o cinza vazio segurou.

- Mas e a luz

que às vezes avistamos?

-Dela, só soube que é semi extinta.

Que são os brilhos derradeiros

de quando o amor existia.

De antes que o medo e o orgulho

apagassem o bem-querer.

- E mais nada restou, Branca Açucena?

- Só a paúra de saber que no Futuro

haverá de se perguntar o por quê

não se deixou a Felicidade ficar.

- E a Ciranda que se ouve, Açucena?

- Essa eu vi. É quem canta e festeja

a tristeza de quem quer sonhar.

Canta e festeja

porque nela está

que em vão já sonhou

e quem nunca sonhará.

Canta e festeja, canta e pragueja

para os sonhos não se sonhar.

- Tão triste, branca Açucena.

- Tão triste, poeta que pergunta.