O POÇO FUNDO DA TRISTEZA

“Quisera, mas não posso, não me esquivo!

Eu choro, eu choro, eu choro, eu choro tanto!”

(Arão Filho – Eternidade)

Escondo, atrás da névoa das pupilas,

as lágrimas que a vida trouxe a mim;

sou forte, mas padeço, mesmo assim,

das várias intempéries, das tormentas,

das mortes, das tristezas mais cruentas,

da dor que não tem nunca um lenitivo.

Eu morro, pouco a pouco, enquanto vivo

as formas mais banais de desencanto:

– Quisera, mas não posso, não me esquivo!

Eu choro, eu choro, eu choro, eu choro tanto!

Meus olhos que nasceram já molhados,

das águas celestiais da gestação,

não sabem das mazelas que virão,

mas guardam na retina as atitudes

que fazem mal a todos, gestos rudes

de um mundo ignorante e repulsivo...

Quisera, mas não posso, não me esquivo!

Eu choro, eu choro, eu choro, eu choro tanto,

embora, na certeza do meu pranto,

não haja mais que um choro sem motivo.

Estendo vida afora os meus pesares;

suporto, mas não sei de mim, não sei,

enquanto vou adiante qual a lei,

qual força poderá dar-me incentivo.

Quisera, mas não posso, não me esquivo!

Eu choro, eu choro, eu choro, eu choro tanto!

Percebo que a verdade não conforta,

ao menos, a que bate à minha porta,

mas sigo acreditando, por enquanto...

Entendo que viver não faz sentido,

num mundo de derrotas, sucessivo:

– Quisera, mas não posso, não me esquivo!

Eu choro, eu choro, eu choro, eu choro tanto!

Conservo nos meus olhos tal espanto,

nem mesmo o céu azul, nem dias claros,

conseguem ser meus simples anteparos;

barreiras ante as quais eu possa estar

em casa, como fosse este meu lar,

e poupo os meus desejos mais avaros...

Profundo, existe um poço recidivo:

– Quisera, mas não posso, não me esquivo!

Eu choro, eu choro, eu choro, eu choro tanto,

que o choro acaba sendo um acalanto.

Espero que a tristeza um dia passe,

que o sol venha secar o sal da face,

e a luz de uma alegria apenas mansa,

daquelas que se tem quando criança,

acabe por tirar-me deste impasse,

e o choro acabe apenas na lembrança.

(Esquema do mote migrante de Paulo Camelo)

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