CARINA
Ouso falar em Carina.
Aquela mesma que os homens desprezam.
Aquela já esquecida,
aquela flor pisoteada
pelas circunstâncias da vida.
Aquela que é apenas
um dado nas estatísticas das perdas.
Ouso lembrar de Carina.
A que na verdade era Odete.
Mas que nos jornais dizia ser Carina
e dizia ser sexy
e dizia fazer tudo
ao gosto do freguês.
Carina, a que fazia sexo oral.
A que fazia sexo anal.
A que trepava com homens,
mulheres e velhos.
Aquela que enfiou um consolo
de dezoito centímetros
no ânus, no cu do deputado mais votado
pelo povo de nossa cidade.
Carina, a que fazia de tudo.
Mas nunca fez amor.
Ouso falar de Odete,
cuja fantasia era Carina,
máscara que escondia
uma tristeza hipertrófica.
Todos viam o sorriso de Carina,
mas não escutavam
os lamentos de Odete.
Ouso mostrar a máscara
e revelar, por trás dela,
a face de uma dor.
Odete é feita de sonhos desfeitos.
Odete é feita de carne dorida.
Odete é feita de fome e de medo.
Carina, não.
Carina é a festa que não apaga.
Carina é a noite rápida e envergonhada.
Coberta de sêmen e suor,
Carina nos olha de longe.
Carina morre e renasce
com as sombras da noite.
Odete, não.
Falha em viver e se entrega
ao vício de acreditar
que nenhuma outra vida é possível.
Ouso falar em Carina,
ouso falar em Odete.
Duas faces da mesma moeda.
Moeda de centavos,
jogada na sarjeta da periferia.