Da Carne

Criança, esquece esses sonhos

Que de tão infantis já caducam,

Esquece os netos que te escutam,

Esquece os gracejos risonhos...

Esquece as sacras ilusões

De ter família e um lar,

De estar com eles e orar

Para o deus de tuas provisões.

Oh Tolo, quantos sorrisos

Ao conseguirem tocar o teu

Transformaram-no num breu

E o curvaram no outro sentido?!

Oh Cego, quantas falaram

De amor a teus pensamentos,

Para deixar-te de doce sedento

Enquanto de amargo te alimentavam?!

Esquece a ignorância dos amores

Tira a máscara de alegria...

Será que sabes quanto feria

Ver-te rir falsamente às dores?!

Será que sabes, Inútil Sujeito,

Quanto machucava ver a porta da morte

Ao ponto de reclamar da sorte

De ter nascido nesse maldito peito?!

Até quando, ao revés da razão,

Mulheres irão tomar-me

E forçadamente farão encher-me,

Em lugar do sangue, a paixão?!

Criança, deixe-me descansar,

Abandona a venenosa fantasia,

E concede-me, ao menos um dia,

Em que eu possa apenas pulsar!

Teus devaneios tanto me enganam,

Ando tão farto de sofrer,

Que confesso, já nem quero crer

Que existam mulheres que amam!

Dê-me o gozo da solidão!

Dê-me o conforto da desesperança!

Dê-me do isolamento a segurança!

Deixa em paz teu coração!