Introduçaõ ao poema

M
uito já foi dito e escrito sobre a inveja, neste e em outros espaços, em verso e em prosa. Alguns não acreditam nela e em seus efeitos. Mesmo assim, ela continua sendo o tema de tantos escritos, exatamente como outros temas sobre deuses, demônios, santos e anjos - que embora não tenham existência comprovada, povoam as mentes de quase todas as pessoas. 

Se a inveja existe? Existe, e é um artifício humano. Uma desculpa para odiar alguém que conseguiu ser aquilo que o outro não conseguiu - ou sequer tentou ser.  A inveja é um olhar voltado para o outro, mais do que para si mesmo e seus próprios potenciais.

Quem sente inveja não acredita em si. Vive em um mundo conturbado e triste, onde nada é o suficiente. Equilibra-se em uma corda de desespero e medo o tempo todo, e lá embaixo não há rede de segurança. Leva uma vida angustiante, sempre achando que deve competir com alguém a fim de vencer na vida. Precisa provar ser o melhor o tempo todo, e eu não consigo pensar em nada mais angustiante do que isto...

O invejoso é um competidor nato. E um mau competidor, pois quando se vê diante da possibilidade de "perder", é capaz de fazer qualquer coisa para minimizar os efeitos desta perda;  esquece-se (ou talvez jamais fique sabendo) que vencer na vida é, simplesmente, sentir-se feliz com aquilo que se é; olhar em volta e ver coisas bonitas pelas quais agradecer. Encontrar o próprio caminho e segui-lo, fazendo uso de seus próprios dons e potenciais. Expressar, sinceramente, carinho e alegria pela beleza que nasce na vida do outro. É torcer para que o outro seja feliz e alcance seus sonhos, participando deste caminho sempre que for possível.

Pois eu acho que, para ser feliz, a única maneira possível é largando mão de olhar para o que existe na vida do outro, parando de compará-la com a própria vida e as próprias conquistas.


Fica um poema:


I
nveja
 
Os olhos seguem sofregamente
A imagem branca que passa.
Cai-lhe um botão da túnica,
Rola e perde-se pelas escadas.

Mas ela passa.
 
Explodem cristais de sal.
Na pia, quebram-se as xícaras.
Um pássaro encontra a morte
De encontro à sua vidraça.
 
(Os olhos arregalados
Segredam suas desgraças).
 
Caem-lhes as pérolas do colar,
Entram nos buracos das calçadas,
Arrebentam-se as sandálias,
E ela segue, descalça.
 
Murmuram os olhos. Secam-na.
Derramam lágrimas ácidas.
 
Arranha o braço na aspereza
De um muro negro de tristezas.
Ela sangra. Ela passa.
 
Desfazem-se as bainhas das saias,
Fiapos sobre seus pés.
Mas ela segue, ela passa.

Seus planos emaranhados
Nas tranças dos seus cabelos
Não conseguem desfazer-se
Dos nós tão bem apertados.

Mas pouco a pouco, ela segue,
Desfaz, com dedos pacientes,
Cada nó que lhe foi dado.
 
E os maus olhos que a olham
Choram sua frustração
De não passarem assim,
Mas se agarrarem ao chão
Por onde ela sempre passa...



 
Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 07/10/2014
Reeditado em 20/06/2020
Código do texto: T4989946
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