Apostrofe à carne

Quando eu pego nas carnes do meu rosto.

Pressinto o fim da orgânica batalha:

— Olhos que o húmus necrófago estraçalha,

Diafragmas, decompondo-se, ao sol posto...

E o Homem — negro e heteróclito composto,

Onde a alva flama psíquica trabalha,

Desagrega-se e deixa na mortalha

O tacto, a vista, o ouvido, o olfato e o gosto!

Carne, feixe de mônadas bastardas,

Conquanto em flâmeo fogo efêmero ardas,

A dardejar relampejantes brilhos,

Dói-me ver, muito embora a alma te acenda,

Em tua podridão a herança horrenda,

Que eu tenho de deixar para os meus filhos!

Augusto dos Anjos
Enviado por Poeta Dom Casmurro em 02/03/2015
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