RASGO

balançam as árvores quase imóveis

a rua, os postes;

a natureza morta da vida

permanece indiferente

à tristeza que me deleta a alma.

quase sem mexer,

pulsam silenciosas as folhas

numa dança ora calma, ora fúnebre.

a aceroleira foi derrubada.

em cima dela uma casa nova

bruta, feia, ignorante

para pessoas que não conheço

que nem sei de ondes vêm...

a mangueira foi cerrada

fatiada em pedaços como ora eu

posta a baixo pela violência do novo.

as dragas quebram

aquelas antigas paredes

como o mais fraco papel...

a noite se fez noite,

em mim

escurecendo

até apodrecer meu coração.

vieram a mangueira, a aceroleira,

as dragas, os postes, os entulhos,

todos me pisoteando

como papel fraco...

sob a luz dos postes eu,

fosco e raso,

rasgo.