Quartos brancos

Apenas pensando,

Escultura imóvel num canto frio,

Poeta faminto num beco solitário

Quartos tão brancos, quartos tão quadrados!

Mais um ser humano sem ilusões,

Mais um andarilho de ausente itinerário

Lágrimas degeneradas que sangram a face,

Cicatrizes sutis nos joelhos machucados

Um rosto mudo, um receio vil,

Porém, um pavor que se dialoga incendiário!

Abandonado, não teimaria em prosseguir, só chorar

Mundo cruel, terra estúpida e sem simpatia!

Mas o meu desejo ainda se erguia com valentia

E os ventos nos beijam as testas com violência

Eis um caso de mudança, um estado de sobrevivência!

Com o mapa, marchava em abruptas pisadas

Convicto dos meus equivocados caminhos

E quanto mais agora o tempo passava

Também a família se envergonhava e me deixava sozinho...

Apenas enlouquecendo,

Estátua inerte, olhando a soberba do vazio,

Artista enfermo, preso num mal imaginário

Quartos tão brancos, quartos tão quadrados!

Mais uma vítima dum processo malévolo,

Mais um concorde dum pacto hilário

Movendo-se como folhas num outono mistificado

Um corpo nu, um templo úmido e sujo

Uma mente inundada num torpor ilusionário!

Como um louco eu era considerado,

Não se admite aos mestres da saúde contestar

Mundo infiel, terra arrematada e sem cortesia!

Mas a minha emoção ainda se erguia com ousadia

E as tormentas nos espancam com impaciência

Eis um estado de ruína, eis um caso de demência!

Ansiava por um refúgio, um tácito escape

Um lugar para degustar meu efervescente vinho

E quanto mais agora a doença avançava,

Também os amigos desertavam e me deixavam sozinho...

Em imagem e semelhança, procedo como eremita

E me desfaço em gritos e escândalos uníssonos

Tristezas me são confiadas, o cisma eterno me habita!

Um manto forte me cobrirá, dizem ser um reforço

De dor os meus braços padecem de tanto esforço

E com sede, e com fome, e com medo,

Tenho que minha vez aguardar

A consciência me era prematura para frutificar

Por isso os remédios, por isso os nós bem apertados

Quartos tão brancos, quartos tão quadrados!

Tão bem eu posso vê-los em minhas reinações...

Tão bem eu posso sentir o cheiro deste confinamento...

Eles não ouvem minhas cantilenas de sofrimento!

Eles não se apiedam dos pesadelos, dos exageros!

Dum homem agrilhoado no inferno, no desespero...

Apenas definhando,

Lambendo uma poça de água parada,

Inusitadamente satisfeito por ser assim

Quartos tão brancos, quartos tão quadrados!

Um filho que pelos seus pais foi desenganado,

Uma desintegração prenunciada e sem fim!

Em passos tortos, em pulos senis e desajeitados

Uma sombra fúnebre e tétrica,

Um vulto capengando ali no jardim

Sem cuidados, sem costumes de caridade

Faltou-lhe amor, sobrou-lhe adversidade!

Eis um mundo nefasto, eis uma terra perdida!

Mas a fé ainda não se postulava perecida

E a estiagem da era nos trazia um abraço da penúria

Eis um caso de injúria, eis um estado de loucura!

Rezava ao Senhor, que dos céus me observava

Que me indicasse com seu dedo o caminho

E quanto mais agora a morte se avizinhava

Também Deus virava as costas e me deixava sozinho...