Declínio
Vejo este céu, tal qual um mar de fogo.
E as nuvens que se perdem acinzentadas
São navios naufragados.
Quantas mil almas, meu Deus, correm desesperadas
Por entre os destroços do lamento!
Vez que outra, uma sombra passa do cabresto desatrelada,
E, com tristeza, respondo
Ao aceno de suas asas esfrangalhadas.
Fico assim, numa pequena jangada sobre a esteira do medo,
Singrando águas congeladas.
Vou me afogando com a borrasca da memória,
E, ao mesmo tempo, consumindo o som e a fúria da noite
Que bate, impaciente, à porta do ocaso,
Enquanto almas escravas vão bloqueando a passagem.
Mas que, tão-logo, cedem os ferrolhos da entrada!
Quantas mil almas, meu Deus, voltam abatidas!
São um exército em partida,
Trazendo moedas nas algibeiras rasgadas.
E a escuridão, o arauto da noite,
Vem altiva, esfriando o braseiro do céu
E jogando ao ar, com deboche, toda a prata perdida.