Da última vez que esteve aqui

Na minha casa, você, da primeira vez, bateu à porta e eu não lhe atendi. Estava tão preocupado em consertar a bagunça que estava em seu interior que eu nem me dei à educação de lhe deixar entrar e perguntar o que você queria.

Na segunda vez que você tentou entrar, eu fugi. Você, cambaleante em suas inseguranças e na vontade de fazer uma visita surpresa, me assustou. Eu sai pelos fundos e, com o remorso de você ter me esperado à porta com flores e ter se ferido nos espinhos da rosa que pretendias me dar, me compadeci e lhe deixei chorando no espaço que tu chamavas de lar.

Aquilo não saiu da minha cabeça.

Percebi que senti medo de que você não iria me visitar mais e busquei me aproximar, recuperar o tempo perdido. Eu não esperava nada além da rejeição quando eu tomei a iniciativa de adentrar em tua morada, mas, embora tenha recebido um inesperado "oi, mãe!", braços abertos foram o que eu encontrei.

Na sua casa, me senti acolhido como nunca senti antes. O significado de "lar" finalmente passou a fazer sentido, coisa que eu jamais cogitei sentir em minha própria morada.

E assim foi, nós nos visitando reciprocamente durante mais de 16 invernos.

Eu nunca havia achado a minha casa bonita, então passei a cuidar cada vez menos dela e o brilho do seu olhar, aos poucos, foi se esmaecendo diante das teias de aranha, da poeira, de tudo que eu deixei acumular por não olhar para meus cômodos com medo de perder tempo que eu poderia investir te visitando.

Adoeci à beira do seu quintal e, com medo de que o que eu tivesse fosse contagioso, fui convidado a me retirar e a procurar ajuda. E assim foi, durante uma primavera e um verão.

Outras pessoas visitaram nossas casas e nós continuamos conversando da sacada, do portão, nos visitamos eventualmente, entrando furtivamente pela janela.

Houve vezes em que entrei na sua casa e não havia ninguém lá. Tu havias saído de casa para frequentar tuas novas festas e novas moradas.

Nas que eu me convenci a frequentar eu entrava receoso de não poder encontrar seu rosto lá e, de fato, nunca encontrei.

Da última vez que tu esteves aqui, tua ida e vinda foi tão forte que estragou a fechadura da porta e eu, sem entender como, a fechei com pregos e tábuas, com medo de que uma tempestade mais forte da que existia dentro da minha cabeça entrasse.

Mas agora você quer entrar, para ficar, mesmo tendo me dito que preferia acampar e ver as estrelas, para nunca mais sofrer.

E eu já não lembro mais onde foi parar o martelo que arrancaria esses pregos.

Já não sei se há poeira no sofá.

Cortaram a luz, está tudo escuro agora.

Deveria eu me sufocar na penumbra ou te deixar entrar pela janela?

São perguntas demais para eu conseguir sossegar.

Perguntas demais em um só lugar.

Philippsen
Enviado por Philippsen em 07/02/2019
Código do texto: T6569153
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