Sorriso num crânio de madeira
A água em estado líquido
sacia a minha sede;
a água em estado sólido
tritura os meus ossos
e me aprisiona
no frio
da estação de inverno;
a água em estado gasoso
permanece intocável
nos céus
como o espelho de Vênus
como a lança
e o escudo
de Marte
Não porto nenhuma bandeira
não carrego nenhum
patriotismo
capaz de dividir
a nação
em fragmentos de confrontos civis
onde nada se ganha
senão
rios e rios de sangue
de quem sequer
sabia
o que ali
fazia
sob o trópico
abaixo
do equador
Nenhum sino badala tão alto
quanto os canhões
e os disparos:
esta sinfonia mortífera
que nunca terá
uma harmonia
em Dó:
este aglomerado
de caos
e de
fogueiras acesas
sem nenhum indício
pacífico
de comemoração
Acima:
senhores dormem tranquilos.
Abaixo:
os povos, divididos,
aplicam castigo
na própria carne
na própria inocência
e jogam água
nas velas brancas
da esperança:
tudo que ilumina as ruas
são postes automáticos:
o luar está longe
com toda
a união
O tecido dos homens
é de ferrugem
adquirida
das vias férreas
que levavam
sabe-se lá
pra onde
e pra quê:
aqueles tempos
de ferro em tudo:
nas mãos
nos pulmões
e nas cabeças
caso houvessem
desobediências:
nunca saberei
quem devo obedecer
sem temer
o meu
esvair
Unhas não cavam passagens
nas paredes reforçadas
de pedras, estilhaços de vidro
e arame farpado: uma parede
é o que divide:
e a história mostrara
que quando dividido,
o indivíduo
não sabe se sonha
em alcançar o outro lado
ou se busca pertencer
a si próprio
com algum calor
de proteção
Acendem fogueiras
nas várias noites
de Nova Orleans;
alguém que conheço
vive com uma parte
de mim
em Buenos Aires;
um senhor
lamenta a morte
de um amigo poeta
em Coimbra
e a cidade de São Paulo
me é tão cinza
e tão melancólica
independente do estágio do dia
e desconheço a água
que há de chover dos céus
para o chão
que é sempre
pisoteado
por
todos