que triste são as coisas

1.

O amarelo de Vincent

não batera

na minha porta

neste dia de eleição;

o nublado é ainda

um argumento

difícil

de se refutar,

ou talvez

seja fumaça

para asfixiar

o dia

e anunciar decerto

as cinzas daquilo

que virá

sem pronunciar

os nossos

nomes:

porque somos tantos

e a tragédia quer

se mostrar

eficiente

como aquela máquina

onde perdi

a minha

digital

e sentia o meu

estômago

revirar-se

como se eu

estivesse

prestes

a

chorar

sobre a terra

que à frente

nascia

2.

Pelas portas da minha

escola antiga:

cães calados

cabisbaixos

com sede

– meu suor

era pouco

para inundar

de esperanças

o turvo

dos teus olhos

3.

Cães entre homens

e mulheres presos

em tuas

importâncias:

agora entendo

o desesperado

abraço

de Nietzsche

num cavalo

em Turim

4.

Afinal é dia de eleição

e o amor para alguns

animais,

certamente

abandonados,

poderia ser adiado

para outro instante

que talvez nunca

viria

5.

As ruas por onde existiam

a brevidade

dos meus passos

estavam poluídas

com figuras de

partidos

e candidatos

e nenhuma flor se via

para romper

esta

minha

náusea

este meu pranto

esta minha dor

do que virá

em seguida:

sempre há um temor

do que virá

em seguida

quando

o assunto

é política

6.

Partidos no chão,

candidatos no chão,

ruas e ruas e ruas

e mais ruas poluídas:

e eu ria

entristecido

quando me lembrava

que a chuva veria

este comportamento

do homem

7.

Os nossos bueiros

se lotarão desta nossa

política maculada;

e um desvio de água

arrastará as nossas

alegrias por decreto

8.

Sempre achei os

almoços de domingo

melancólicos

inda que possuam

vozes de todas as idades

e garfos

e facas

e algumas memórias

que se apagaram

já:

creio que a obrigação

da reunião

nos roubara

a saudade

do afeto,

a vontade de buscar

algum abraço

que acalme,

porque a política

sempre nos agrediu

9.

E todo este afeto

que tenho,

e todo este carinho

que sinto,

de nada vale nos

dias de pronúncias

políticas

*

*

*

tudo se divide

até que

cada indivíduo

converta-se

no antagonismo

da tua própria

oração

*

*

*

ou até que

inteiramente

nada reste

do que juramos

amar