Amado satisfeito

Em um dia chuvoso,

Passava os dedos pelos buracos do portão,

A mão, ralada contra o concreto da parede,

Não era só o céu que estava nebuloso.

Procurei chave para o buraco,

Mas esqueci do buraco do coração,

Por uma chave que nunca vinha,

Por um coração que não abria.

Coloquei-as no bolso novamente,

Naquela madrugada chuvosa,

Molhar-me em temporal,

Não seria suficiente.

Pelas ruas, sem pessoas, sem carros,

Somente postes mercuriais,

Fariam companhia para um homem assombrado,

De sombras diagonais.

Meus tênis alagados,

Ombros encolhidos pelo frio,

Calafrio que passeava pelo pescoço,

Caminhada dos mal amados.

Casas demolidas,

Novos estabelecimentos,

Qual foi a última vez que saí de casa,

Me fazem não reconhecer as ruas em ladeiras.

Ter ficado preso,

Interno e externo,

Proporcionou-me tamanha amargura,

De não reconhecer o que mereço.

Essa poderia ser somente uma fuga,

Ou talvez não quero voltar para casa,

Pois um lar tem significado complexo,

Complicado para mente absurda.

O certo medo que sentia ao cruzar caminhos,

Tampouco a chuva me tirava a sensação de ouvir,

Poderiam ser as batidas do meu coração,

Ou alguém que estava a vir.

Assustei-me vezes e vezes,

Pelo tintilar de ferros,

Até por folhas ríspidas,

Mas nada me assustou mais,

Que minha sombra amedrontada.

A pior sensação,

Tampouco é da noite chorosa,

Muito menos do frio incessante,

Mas de um coração relutante,

Que chorava um acordeão.

Os dedos frios não incomodam,

Nem a sensação de perdição,

Nada me interessa uma salvação,

Que não fosse me fazer sorrir.

De que adianta um paraíso,

Utopia divina,

Se para isso,

Revogasse minha alegria.

De casa, muito longe,

De vontade, bem distante,

Poderia ser vontade,

Poderia ser saudade,

Tudo inconstante.

Abriguei-me num prédio em construção,

Uma luz em um andar, relutava coração,

Adentrei pela sobrevivência,

De mais um vez conseguir achar meu lar.

Essa vontade, permanecia com casa e cama,

Com pessoas e amizades,

Pois lar, complicada para a alma,

Não tem forma, nem sabor.

Pensei em pular,

Cogitei dormir,

Pensei em amar,

Cansado de fugir.

Todas as mágoas, me dão dias chuvosos,

Nada dói, tudo é anestesiado,

O coração machuca, mas nunca é quebrado,

Pois por mais que eu queira, se não houver respeito,

Eu durmo, eu me deito,

Mas serei jamais,

Amado satisfeito.

Corvo Cerúleo
Enviado por Corvo Cerúleo em 30/10/2020
Código do texto: T7100158
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