NAU NEGREIRA

Novamente desperto e a angústia logo recomeça;

A febre não cessou, as àguas chegam mais perto;

Encobrem-nos totalmente por longos segundos,

É tortura angústiante, de nada adianta gritar por socorro,

nossas vidas não importam mais para eles;

Acorrentados, deitados, cada centímetro foi estritamente aproveitado, a minha direita jaz um corpo que morreu ontem; Sorte dele, fugir desse inferno... pelo menos agora terei um pouco mais de espaço;

O cheiro de detritos é quase indescritível mas por incrível que possa parecer se vai acostumando...

Quando as águas vêm encobrir minha face novamente afogo-me juntamente em agonia e desespero.

Quando as águas se vão e posso enfim respirar, aproveito para pegar mais fôlego se preparando para próxima vaga que me submergirá. A cada intervalo sempre penso que será o último instante e não irei sobreviver mais tempo...

Fazendo assim, pelo menos até agora, tive sorte e tenho conseguido sobreviver. Assim vai se passando um dia após o outro. Uma semana após a outra, de momento a momento... Tenho aprendido a perceber a beleza e singeleza da vida ainda que não seja essas as circunstâncias mais propícias. Quando o sol vai para o horizonte e prepara-se para dormir lágrimas de tristeza caem da minha face já encharcada pelas águas salgadas do Atlântico. Como se fosse a última oportunidade, o último momento, agradeço por ao menos poder fazer da tristeza minha companhia ainda mais esse dia...:.(