Dor

Dor é filha de vários pais:

um sou eu, outro é você.

Causa-me dor meu viver.

Nele estou acorrentado, mas não na dor.

Pois viver não é só sofrer.

Eu tenho uma sala de troféus negros, todos foscos em brilho.

Abarrotada está e mantenho-a trancada.

Porque neles orgulho não há.

Porém, de vez em quando abro suas portas.

Entrego-me à labuta de polir suas superfícies escuras ásperas

com as lágrimas de recordação que guardo num potinho

e com lixas feitas de erros e amarguras prensadas.

Espero assim, de tanto polir, um dia o revestimento arrancar.

Já que o metal do qual são feitas estas taças se presta a reciclagem

e tem um nome de valor poderoso:

aprendizado.

Dor é filha de vários pais:

muitos moram em mim.

Exorcizo-me daquilo que posso

com os poderes e autoridade que me foram conferidos.

E assim nasce o "Nunca Mais"

onde antes existiu o "Às Vezes".

Dor é filha de vários pais:

Eu, um deles não vou ser mais.