AMAR-TE

Amar-te é ocultar todo o meu desespero e tristeza.

É ver-te depois de muito esperar, como se fosse a maior das surpresas.

É ver-te-vertigem...

É suportar o inferno.

É ter nas mãos como interromper o curso da história e não o fazer por medo...

É ser hipócrita pra fazer-te feliz.

É ter medo de conversar contigo cinco minutos.

É ter o que falar, o que declarar, o que gritar, mas não abrir a boca.

É fingir que tenho de ir embora, para não morrer de tristeza e saudade.

É recusar a qualquer coisa realmente importante e o que for...

Amar-te é desejar-te imensamente e não morrer de fato por tu estares tão distante...

É te ver indo por um caminho tão hipócrita como o dos amores de hoje,

nos quais não se ama, mas se fica junto para não parecer sozinho.

Amar-te é recusar o Desejo que tenho por ti...

E sufocá-lo, vedá-lo, calá-lo em prol da tua felicidade.

É trocar a minha felicidade pela sua.

É andar sem olhar para os lados na rua.

É não ter inspiração senão para chorar...

É dar uma lição de como se ama realmente...

Sem monogamia ou papos idiotas e intransigentes.

Amar-te é me ver contigo nas mesas e cadeiras amarelas

da Ribeira, que me é desconhecida e que a mim traz surpresas

como és sempre estranha a mim, em meus sonhos, no começo das noites.

Amar-te é não te poder contar o sonho que contigo tive.

É viver sem rumo, aparentemente concentrado...

Viver de aparências, viver com um falso sorriso,

como se sempre tivesse um rumo ao qual seguir

e, depois, uma boa história da qual rir.

Amar-te é pôr o meu coração em linhas como estas

que, apesar de parecerem grades, me libertam em parte...

É abrir o peito aos ventos completamente.

E tanto frio sinto sem sua presença, sem seu calor,

sem a esperança de te ter, me sinto sem pele.

É ter de dizer-te como estou bem

e estar em solidão abissal...

É se ver implodir como uma edificação altíssima

de colunas imensas e vitrais nos quais se encontram as letras de teu nome

e cujo coruchéu abriga a minha felicidade por ter teu afeto,

altura que faz jus ao tamanho da minha antiga alegria...

Mas agora assisto às vítimas do desastre, da arquitetura que caía.

Amar-te é ter vontade de seguir escrevendo infinitamente.

É querer me pôr no papel literalmente:

pôr meu sangue, gravar como em pedra para a eternidade.

É caminhar consciente seguindo a um precipício.

É pôr-me na linha de frente de uma facilidade difícil.

É fingir entender tuas palavras, é não implorar a tua volta.

Amar-te é te ver com um adereço que não te tem a ver

nem nunca terá e não te pedir que volte a ser quem era.

É ver-te trocando o sorriso, que sempre fora de outono,

pela futilidade imbecil da primavera.

Amar-te é adorar seus dramas, seus medos, seus pudores.

Amar-te é sentir-te como rosas e nunca ter te dado flores.

É fingir não dar tanta importância a tua presença.

Tão antiteticamente, pois nada me é mais importante...

É se perder em tudo que se faz.

É procurar, quando meio cabisbaixo, travesseiro a chorar

e encontrar o vazio.

É não fixar os olhos num ponto.

É tentar dizer e se engasgar com o coração que se põe pela boca...

É ter a boca seca. Sem seu afago, sem seu batom.