Chamado sideral

Acabei de abrir a porta

que me foi proibida de transpor.

A apreensão se dissipou,

ante o facho luminoso

em meio o caos da dor.

Pois segui em frente, através da passagem

que no nada pairava;

algo que não se acreditava fosse concreto,

o que não se suspeitava,

sempre bem perto de nós.

Fermentação intracelular,

uma vontade súbita de me transformar;

abriram-se-me os olhos:

a luz não me queimou.

Nenhum artifício químico

expandiria meus sentidos de tal maneira.

Contemplei a mim mesmo

como realmente sou,

toquei o que sempre me tocou

sem se fazer conhecer.

Expandiram-se os horizontes da percepção;

adentrei o mundo

que nenhum mortal jamais viu;

explorei o verdadeiro ambiente

em que fui gerado,

deixei-me ser

docemente explorado:

“sou sua obra, aqui estou para ser moldado”.

Agora motivação permeia o fluxo paciente

– o chamado sideral –

– detectou-se o sinal –

– um outro estado de matéria –

a essência intrínseca desdobrada ao infinito.

Eu vi o segredo

das motivações inconscientes,

deparei com o mecanismo da fé

e perdi todo o medo de reprogramá-la.

Eu vi, acredite em mim;

eu gostaria de lhe contar tudo,

mas presumo seja cedo

para habitarmos tal lugar...

Eu vi a revelação

que após milênios amadureceu.

Tire essa bandagem,

dilua esse rótulo;

é nascida a razão!

Eu vi o sentido de todas as alegorias;

abriu-se-me o pensamento;

meu sentimento obedecendo

ao desdobramento da emancipação mental

e a seu fluxo incessante.

Eu vi o exato instante

do início da derradeira expansão

e ri ante a impressão de já tê-lo visto.

Eu vi a glória e o terror,

despenhadeiros, mares, matas;

a verdade que perdi,

a verdade que encontrei dentro de mim.

Dentro de mim está a essência

e eu, onde estou?

Agora motivação permeia o fluxo paciente

– o chamado sideral –

– detectou-se o sinal –

– um outro estado de matéria –

a essência intrínseca desdobrada ao infinito

e então de volta à amplitude,

em maior velocidade.

Eu vi a luz que não se apaga,

a cândida destra que afaga

minha forma calejada de desilusões.

Eu vi o retrato exato do que é verdadeiro

e reformulei meus conceitos de perfeição.

Deixei de estar para ser;

como traduzir o que ouvi?

Ouvi o clamor das miríades de apenados

a estenderem suas mãos maculadas de pecado:

eu vi, eu e somente eu vi

a beleza radiante da inocência ali oculta.

Envolto em remorso,

fui arrebatado à imensidão

da sabedoria integral,

inculta em meu íntimo espacial.

A sabedoria que ouvi

como se fosse a primeira vez...

Como se eu fosse um outro ser,

indiferenciado da fonte

do chamado eterno,

interno,

externo,

sideral.

Eu vi tudo isso

e me vi com outros olhos.

Ainda não consegui me readaptar,

mas é um doce preço, afinal,

pois eu vi o segredo

(e eu sou segredo também,

mas estou aberto pra você).

Num outro estado de matéria você tem parte,

eu sei.

Num outro estado de matéria

nos amamos sem tempo,

e nos entendemos como somos.

Eu vi o supra-sumo prestes a me receber

e por um momento quis partir pra sempre,

mas estaria você apto a vir comigo?

Eu, que vi tudo isso,

não me considero ainda merecedor...

Refleti sobre o caráter da visão,

as arbitrariedades da interpretação...

ante a possibilidade da urgente união

de nossos dois destinos num único...

e retornei, decidido

a lhe amparar na subida

dos primeiros degraus.