Um Anjo Chamado Mulher


Na casa onde Lúcia, linda criança,
nasceu, lá moravam o amor e a esperança.
E desde miudinha, Lúcia a todos encantava
com a sua beleza e o seu coração de ouro.
Grácil e terna, parecia que Deus falava
pela boca daquele anjo louro...

Lúcia, com certeza, tinha um caso de amor
com o mundo no qual crescia como formosa flor...
Era o sonho e a vida dos pais, a pequena
deusa da rua e, além disso, especializou-se
na arte de amar. E com a alma doce e serena,
desde cedo, para muitos, alívio trouxe.

Cresceu assim. Mas, um dia, o anjinho da rua
foi traído pela sua alma dócil e ingênua:
apaixonou-se por belo rapaz, mas fero e duro
marginal que, incapaz de ver o brilho que reluz
de um coração-jóia assim tão lindo e puro,
tinha a repugnância que os vermes têm pela luz.

Bêbado, drogado, homem brutal, de sanha assassina,
não viu a esposa como ela era: uma bênção divina...
A superioridade moral que Lúcia exibia, na verdade,
o humilhava, pois é sabido que a escuridão
não suporta e odeia a claridade!
Por isso, perverso, maltratava-lhe corpo e coração...

Maus tratos físicos, dores morais não alquebraram
a alma forte de Lúcia cujos sonhos de amor não mudaram.
Acreditava na recuperação do marido! Mas, um dia, infelizmente,
o sujeito, enlouquecido pelas drogas, os olhos famintos
de ódio, puxa a arma e em Lúcia atira, simplesmente
porque ela recusara submeter-se a seus baixos instintos.

Agonizante, levam Lúcia para o hospital, e a comoção
dos que a amavam é grande! E o cruel marido vai para a prisão...
Sabendo que vai morrer, Lúcia, o anjo louro,
Esquecendo a dor do seu peito ferido,
Suplica, aflita, em dolorido choro:
- “Pela última vez, quero ver o meu marido!”

O seu pedido é atendido. E, da prisão, algemado,
trazem a fera que encara a vítima, frio e desalmado...
Sem arrependimento, fica impassível ante a esposa, que balbucia
para ele, docemente: - “Eu te escolhi, então de Deus nada reclamo...”
E os olhos de Lúcia, fixados no marido, em doce calmaria,
vão se fechando, enquanto ela murmura: “Eu te amo...”

Passa o tempo e Carlão, a besta-fera,
foge da cadeia e sobre o tráfico impera...
No posto de chefe de perigosa quadrilha, rouba, mata,
estupra, e torna-se o bandido mais procurado do Estado!
Vive em devassidão e nenhuma ordem acata
que não seja a ordem do seu instinto de celerado.

Mas, de noite, Carlão tem pesadelos apavorantes
em que se vê morto, cercado por mil demônios horripilantes!...
E, no entanto, sempre no meio desse turbilhão medonho,
sente que um anjo louro, com um belo ramo
de flores na mão, aparece, suave, clareando o seu sonho,
e lhe repete docemente: “Eu te amo...”

Passa o tempo e Carlão, aos cinquenta, o bandoleiro,
é o Rei dos Morros do Rio de Janeiro....
Cercado de fiéis e cruéis asseclas, a todos desafia,
protegido pelo poder da sua cruel milícia.
No entanto, um dia, pois todos têm seu dia,
cai varado pelas balas da polícia!

Morre... Seu espírito vê-se, com um espanto incrível,
cercado por entidades medonhas. Seu pavor é horrível!...
São muitos!... É uma turba de horripilantes figuras
negras. Corvos que, em tétrica algazarra e em alucinado
ataque, já o agarram e o levam com garras duras,
festejando: “Vem, tu eras o muito esperado!”

Inaudito desespero enche o espírito de Carlão!
Grita, debate-se, entre os seus algozes, mas em vão!...
De repente, de um clarão luminoso, varando espaços,
Lúcia aparece, suplicando: “Senhor, por meu amado eu clamo!”
Os vampiros fogem. Lúcia toma Carlão nos braços
e sussurra, docemente: “Vem comigo, eu te amo!”







Santiago Cabral
Enviado por Santiago Cabral em 07/03/2010
Reeditado em 07/03/2010
Código do texto: T2124993
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