Bagagem
Uma fina chuva cai obstinadamente
até onde a minha vista pode alcançar
gotas pequenas e frias
deslizando em minha face
molhando meus cabelos
aguando meus pensamentos
sentado sobre minha bagagem
sinto o silêncio do mundo
enquanto olho fixamente
para os dormentes de trilhos
sem nenhum trem
madeiras tão velhas
carcomidas pelo tempo
trilhos que não levam
a lugar algum
que não começam
nem terminam
existem tão somente para
aquela velha estação
ali estou eu, sozinho
com a alma velha demais
carcomida pelos erros
de tantas vidas
quando penso em tudo que fiz
bem além do que posso ver
onde posso apenas sentir
fico assustado
pois quase posso tocar
as pessoas, as tristezas
as amarguras, a dor que causei
escondidas atrás desse fino véu
obstinadamente
permaneço aqui
sentindo a chuva tocar a minha face
sentado sobre minhas velhas bagagens
a espera de um trem
que virá de lugar algum
com destino a nenhum lugar
eu sou a chuva
e também o silêncio
eu sou a estação
e o meu próprio trem
a espera do momento pra seguir viagem.