Sexta Palavra do Crucificado - Runaway Caravaggio

"O que fazer com a felicidade que não vem?

Vou adquirí-la por vinte reais."

Eduardo Negs Castro - in a Jornada sem sentido

Tudo acabado e o sacrifício feito,

o cordeiro arquitetado em cinza e preto,

o naufrágio do tempo e a tempestade no espelho.

Dos ossos da guerra que travei em seu coração,

das chamas extintas de um sol binário e escuro,

faço o perdão que ofende e a palavra escarlate,

desenhada no céu a tiros e golpes de estilete.

E ser humano demais é se entoxicar de dor,

é ser inferno oculto em cada canto de amor,

é rimar os espinhos com o fio da vida que costura a pele.

Longa noite, à espera do beijo que condena,

que inventa o comércio de minha mente estreita,

em livros antigos, em frontispícios de templos,

em casas de moças e em esconderijos de poemas.

Sou a imitação da arte da vida tão breve,

o império do som que desaba montes e muralhas,

o sibilo dos espíritos errantes, submersos na espera,

envenenados por relógios e traidores por natureza.

Essa canção dos braços abertos e crivados,

na madeira escura e ensanguentada,

é o meu triste perdão ao coração machucado,

feito do lamento das crianças perdidas,

feito das cores de uma tela numa noite fria,

de um azul tão denso quanto a própria vida.

É aqui que entendo a morte que me viu passar,

num caminho ascendente e sem céu de limite,

abraçando ao mundo e perdendo o meu lar.