O ENIGMA DA ESFINGE

Viajando pelos campos arenosos do árido deserto

Em busca do oásis sonhado que julgava tão perto,

Eu seguia um rumo que me levaria a algum destino

Certo na incerteza dos dias vindouros do calendário,

Quando me deparei com o mito da Esfinge

Num ponto localizado no tempo imaginário.

O monstro faraônico tinha o corpo leonino,

A cabeça humana, a natureza sombria, e rugindo

Vorazmente bradava a sua força, a sua grandeza,

Soltando no ar seco o olor de seu bafo assassino.

A voz de trovão que se desprendia de sua laringe

Cobrava o meu poder de visualizar com clareza

O objetivo que me motivava a viajar, e sorrindo

Pesava o meu coração na balança algente da morte.

Antecipando a minha derrota com felina gentileza,

Lançou o seu enigma, apostando na minha má sorte.

Enrouquecido pela ânsia incontida e louca

Que se evolava de sua ensandecida boca,

Planejava uma estratégia para a minha derrocada,

Desafiando a minha força moral com atra soberba:

Ou eu revelaria o segredo do Novo Testamento,

Ou o meu erro me condenaria ao fogo do aniquilamento.

Os seus cabelos luziam na noite que embalsamava a dor,

A mais plangente de todas as dores, a que mais chora:

A dor de quem está ausente em si mesmo desde a aurora.

Uma crise de fé irrompeu na minha alma fraquejada

Com tamanha algidez, que a minha fé quedou enferma,

E a minha boca tentou pedir socorro, no auge do horror,

Mas a minha voz travou, então soltei um grito inaudível,

Enquanto a Esfinge carpia a árvore da minha vida,

Cumprindo a dura sentença, definitiva e irrecorrível.

Por um instante, recordei a infância, estação florida,

Uma época distante em que uma lareira me aquecia:

O carinho da minha mãe, suave e dedicado.

E um cajado de cedro me protegia:

O zelo do meu pai, grave e preocupado.

Ah! Tivesse aquela primavera parado em seu prelúdio,

As suas delícias seriam o pão diário da minha história

Desde o despontar até o fanar do Sol, neste interlúdio.

Eu venceria o sereno das invernias com a fé fortalecida,

E não despertaria atormentado por bizarrias tenebrosas.

Quando menino, eu imaginava a Via Láctea enfeitada

Pelas flores astrais, estas irmãs vigilantes e carinhosas.

As brisas atuais já não sopram dessa praia encantada,

Mas desse tempo fugaz restaram vivos na memória

Os arco-íris de ternura que decoravam o céu azulado,

Renovando a minha fé no alvor de cada novo amanhecer.

As águas passadas não voltam mais, não movem moinho,

E as mágoas de agora, amanhã serão as dores de outrora.

Hoje a vida tem essa nuvem flébil sobre o caminho,

E o tempo chora essa saudade que tanto se demora.

O carrasco irascível exigia a minha singular presença

Para a comemoração antecipada de sua pretensa vitória

Sobre a minha capacidade de perseverar na crença

De ser acordado, em algum jardim edênico do mundo,

Pela alvura fagueira de dias melhores para viver,

E tentar, na base segura de um otimismo profundo,

Encontrar alguma maneira de perder as recordações

Das noites em que eu morri sem esperança de renascer.

Na véspera da sentença capital lancei esta vindita,

Rompendo a corrente daquela noite de imprecações:

Ergui os olhos para o alto, o mais alto que pude,

E percebi que a minha fé cintilava, como um lume,

Na escuridão que me mantinha prisioneiro da desdita

De ser um peregrino na estrada das mundanas ilusões.

Num gesto repentino, retirei o véu da desconfiança

Que me encobria o espírito, antes falto de esperança,

Arranquei do meu pomar o joio do mundo pagão,

E cultivei em seu lugar o trigo do mundo cristão,

Onde a alma tíbia tem à mesa o alimento salutar

Da fé revigorada pela infinita misericórdia divina.

Assim, armado de coragem, venci o medo de errar,

E revelei o desafio do evangelho anunciado:

Perdoar o próximo como Deus me tem perdoado.

O desafio é aula, é lição que a vida ensina,

E se vencê-lo é um sonho, vale a pena sonhar.

O enigma da Esfinge estava finalmente decifrado,

Já não representava motivo de angústia para mim,

A certeza na vida eterna havia enfim me resgatado.

Com a firme vontade de praticar o perdão até o fim,

Dei as costas para a imagem icônica do infortúnio,

E segui viagem sob o florão prateado do plenilúnio.

Carlos Henrique Pereira Maia
Enviado por Carlos Henrique Pereira Maia em 03/10/2012
Reeditado em 28/09/2015
Código do texto: T3914351
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