A CAVERNA DE PLATÃO
O corpo que procura a verdade em outro corpo
Caminha debalde, traçando círculos, e erra,
E sonha, e fica ao rés-do-chão, ao nível da ilusão,
Porque o seu destino é o pó da terra!
Plantado no jardim da saudade,
Assistindo ao remoído passado encardir,
Ou lançado na fornalha da ansiedade,
Urdindo a tela obscura do porvir,
O corpo procura a verdade nos vultos
Fugidios que lampejam na floresta escura!
Acima da terra, o céu convive
Com o Sol, a Lua, as estrelas...
Convive também com as nuvens brancas
Que acendem no corpo a alegria fogosa,
E com as nuvens plúmbeas
Que derramam no corpo a tristeza chorosa!
O corpo não se entende com o espírito,
Porque um é a negação do outro,
Enquanto um cerze o traje surrado,
O outro cose a roupa nova da eternidade!
Na imperfeição do mundo natural,
As vidas se sucedem como os dias,
Quanto mais conhece o seu “eu desconhecido”
Mais o espírito se eleva ao mundo perfeito!
Sem nunca ter certeza da luz do amanhã,
O hoje é toda a eternidade visível,
E o que ontem fulgia como rija verdade
De um dia para o outro se dissipa
Como as nuvens passageiras no céu aberto!
Motivado pela alvura redentora da Estrela do Oriente,
O espírito desconfia da dura aparência
Que reveste a quebradiça realidade,
E a insondável “flor da consciência”
Cresce aos poucos no jardim da intimidade!
Com os olhos feridos pela luz intensa,
Feridos como foram os olhos de Paulo de Tarso
(Porque os seus olhos ainda estão verdes
Para verem a face dos anjos iluminados),
O espírito enxerga apenas as sombras efêmeras
Projetadas nas frias paredes da Caverna de Platão,
Onde a angústia da morte conduz os seus passos lentos
E silenciosos no mundo abismal da expiação,
E essa visão lhe é tão amargamente dolorosa
Que lhe desperta o desejo latente da regeneração!