Café

"Bom dia, rapaz!"

"Bom dia!"

Hoje questiono.

Tudo o que há é duvidoso,

Por tanto, questiono.

Questiono-me a mim,

E a quem pertenço.

Questiono a utilidade de cada gesto

Que dou de bom grado.

Provo cada centímetro daquilo que sinto,

Quero tudo o que tenhas para me dar.

Eu quero.

Eu quero mas não posso,

Porque sou eu, outra vez.

Sou eu...

Já se faz tarde,

Mais um dia passou.

O teeeeempo!

Parece tão longo,

Odeio o tempo por ser tão longo.

Mas quando mais precisar dele,

Já terá acabado, como eu...

Já se faz tarde!

Já se faz tarde!

Já se faz tarde!

Já tudo acabou.

A impressão de que nada se passou.

Eu estou aqui,

Sempre estive aqui.

No meio do mundo, eu existo.

Mas nada se passa,

Pelo menos enquanto eu estou.

Quando me vou embora,

O mundo volta a ser o que é...

O que é o mundo?

Não sei.

Sou muito novo para responder.

Tem sido duro,

Como nunca imaginara.

Reflexões...

Acordo com um revólver apontado à cabeça.

Para minha surpresa,

O dedo que roça o gatilho é o meu dedo.

A esperança me diz que algo acabou,

(Alguma vez houve?)

E o sangue que mancha os lençóis

Não. É. Meu.

"O que vai ser?"

"Pode ser um café, se faz favor?"

"Ora, sai um cafezinho aqui para o jovem!"

Há ferrugem na minha consciência

E corrói ferozmente.

Tudo se desfaz, por dentro.

Tudo se decompõem ainda inalando oxigénio.

Escrevo "assassinato" sem querer,

O pensamento "assassinato" agarra-me com toda a inocência.

A ferrugem encontra pecado.

Não só,

Obscuridade própria.

Quem me salva de tudo isto?

Quem me salva desta minha mente doente?

Tu, porque não me salvas?

Já ninguém o pode fazer.

O demónio sou eu,

Pois sou eu que mantenho os olhos abertos,

Sou eu que insisto em ser.

Sou eu que, cuidadosamente, enfeita este túmulo.

A inscrição da lápide proferia as palavras:

"Para quem não gosta de viver".

Túmulo ou reconfortante lar?

"Aqui está o seu café, jovem."

"Obrigado."

Sabes mesmo o que eu preciso, velho?

Asas...

Asas para poder sair deste buraco e voar para bem longe.

A natureza negou-mas,

E agora, nego eu a natureza.

Negar é negativo.

De negatividade te falo.

Que todo este pessimismo persista,

Ele vive entre nós.

Só com ele se compreende o que há para compreender,

Só com ele se é Homem...

Passeio as ruas da amargura,

Os lampiões cansaram-se.

Aliás, para mim, toda a vila parece cansadíssima.

A doença ainda não chegou,

Mas já todos cavam a sua cova.

"Estava bom?"

"Estava sim."

"Quanto é?"

"São 65 cêntimos"

Quero pensar sobre mais qualquer coisa,

Mas dói-me a cabeça.

"É bem feito", digo eu para mim próprio.

"Para a próxima, aprende a ser alguém,

Assim não terias de pensar sobre o que fazes neste mundo".

Mas então o que faço eu neste mundo?

Um dia espero encontrar resposta para tamanha dúvida.

Espero acordar de manhã sabendo o que tenho de fazer,

E não adormecer à noite chorando pelo que não foi feito.

Mas o que ficou por fazer?

Um dia terei resposta para essa dúvida.

Às portas da morte, saberei.

"Aqui está o troco"

"Obrigado, boa noite."

"Boa noite, rapaz!"

O senhor ao meu lado apaga o cigarro.

Apagou-se mais do que o cigarro.

Apagou-se ali toda a razão para o senhor estar ao meu lado,

Por isso, vai-se embora.

Ele e toda a multidão se vai embora,

Ficando apenas eu, o empregado e a fria chávena de café.

Sérgio Peixoto
Enviado por Sérgio Peixoto em 08/12/2015
Reeditado em 16/12/2015
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