RECOMPENSA

Na tenda humilde, de repente, um grito,

um choro, um chorinho de criança.

A mãe, como todas, desfazia-se em alegria.

Era durante o cativeiro no Egito.

Mais um hebreu,

mais um escravo nascia

e o povo humilhado

do menino nascido nem sabia.

Contra a lei

a mãe oculta o menino

que cresce, que chora alto

denunciando a sua presença.

Inocente, não se sabia escondido.

Não se sabia escravo por sentença,

por destino.

A mãe atormentada pelo sofrimento

arranca da alma a seguinte decisão:

O seu menino, o fruto do seu ventre,

jamais iria conhecer a escravidão.

Certo dia, entre lágrimas,

com desmedido carinho,

em uma cesta de junco e betume

a mãe entre lágrimas agasalha a sua criança.

Supremo ato de desespero que resume

a sua última esperança.

Rumo ao rio

desce lentamente a trilha.

Atrás, lhe segue os passos, a filha.

Na cesta o menino

e na alma um imenso vazio.

À margem,

um beijo a mais de despedida,

um beijo terno e aflito,

de uma mãe que tinha a alma ferida.

Na água a cesta pousa suavemente

e logo a correnteza, indiferente,

rio abaixo transporta

aquele estranho barco

onde tranqüilo

vai Moisés ao sabor do Nilo

lentamente, lentamente, lentamente...

enquanto da margem

sua mãe observa absorta.

E aquele ato de renúncia,

extremo e nobre,

que de esperanças o desespero encobre,

enche de ternura o coração de Deus,

que em recompensa àquela mãe sofrida

leva o menino a salvo, dá-lhe vida

e o faz libertador de todos os hebreus.

Belém, setembro de 1981.

Para minha mãe por sua luta, por sua coragem e por sua inquebrantável fé.