A semeadora de Valores

Ato 1

Em tempos imemoriais, a terra era inóspita, disforme e repleta de trevas, enfim, só havia o caos e as trevas habitavam sobre a face do abismo. No entanto, o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. Deus, ao fitar as inexistências, escassezes e caos no planeta, então... “haja luz, haja um firmamento no meio das águas, e haja separação entre águas e águas; ajuntem-se num só lugar as águas que estão debaixo do céu, e apareça o elemento seco; produza a terra relva, ervas que deem semente, e árvores frutíferas que, segundo as suas espécies, deem fruto que tenha em si a sua semente, sobre a terra; haja luminares no firmamento do céu, para fazerem separação entre o dia e a noite; sejam eles para sinais e para estações, e para dias e anos e sirvam de luminares no firmamento do céu, para alumiar a terra; produzam as águas cardumes de seres viventes; e voem as aves acima da terra no firmamento do céu; produza a terra seres viventes segundo as suas espécies: animais domésticos, répteis, e animais selvagens segundo as suas espécies; façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se arrasta sobre a terra”_ decretou Deus enquanto, através de suas palavras, a terra, os céus e a vida foram criados.

Então Deus criou os céus e a terra e tudo o que nela existe em seis dias. Ao ver tudo o quanto fizera, Deus inferiu que era bom.

E viu o Espírito as criações de Deus e resolveu contemplar algumas de suas estupendas obras, quando então viu um homem descendo do monte Sinai segurando a tábua dos dez mandamentos escritos pelo próprio Criador Todo-Poderoso. A multidão se levantou, levantou os braços glorificando a Deus dizendo: “Aleluia. Bendito seja o nosso Deus e suas leis”.

E viu o Espírito Santo que aquilo era necessário e também bom. Passaram-se incontáveis milênios e milênios, e a santíssima trindade acompanhou todas as mudanças, realizações, feitos, conquistas e atos benéficos e maléficos praticados pela civilização humana. O próprio filho de Deus tinha vindo para este mundo e se sacrificou para expiar e justificar os pecados humanos.

Alguns milênios depois, O Pai, o Filho e o Espírito Santo, investigando os subterrâneos e os leitos da alma humana e de todas as vilezas e declínios morais e espirituais, resolveram enviar um de seus filhos amados que, antes estava afogado pelo caos e pelas trevas, mas encontrara o perdão e a redenção no amor de Deus.

_ Os homens vivem em variadas idolatrias e impiedades! _ falou o Espírito Santo tristemente.

_ A civilização moderna se afoga em libertinagens e barbaridades! _ diz Jesus com um tom de lamentação.

_ Mas eles são os nossos filhos queridos, contudo errantes,

Não podemos permitir que eles continuem da verdade mais distantes.

Nosso servo e filho querido semeará o nosso amor edificante,

E muitos serão acordados e renovados dessas estradas tenebrosas e delirantes _ decreta Deus.

E o Pai, o Filho e o Espírito Santo concordam com a decisão tomada, e uma luz incandescente jorra do monte onde Eles estavam, afinal Deus jamais abandona os seus filhos, por mais equivocadas e inescrupulosas que as ovelhas vivam e estejam, o Pai ama as primícias de sua própria criação e jamais desistirá de quem clama ou se rende ao amor incondicional e misteriosamente gracioso do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Ato 2

A cidade estava silenciosa naquela manhã de sábado. Tudo sempre era a mesma repetição de acontecimentos, rotinas, afazeres, obrigações e de outras atividades cotidianas.

Contudo, havia uma jovem semeadora completamente incógnita, a qual estava parada no meio da rua a observar tudo, com sorriso tenaz e enigmático na face, iria alterar as raízes e os cumes de algumas vidas que ali estavam a fumegar nas penumbras de tantas indiferenças, conflitos, mazelas e decadências.

(Duas mulheres, que pareciam ser irmãs, discutiam em frente de uma casa com hostilidade nas palavras, nos olhos e no sangue. A semeadora de valores se aproximou delas e disse-lhes)

_ Quanto tempo nós perdemos com discórdias e brigas,

E Sempre cada um busca querer em tudo ter razão,

Em vez do perdão, semeamos invejas e intrigas,

Criando mais abismos que distanciam nossos semelhantes e irmãos_ proferiu a semeadora de valores, olhando fixamente para os olhos das duas irmãs.

_ Por que propagar inimizades e rancores em vossas vidas?

Vede: até em nossas lágrimas podemos encontrar a cura de velhas feridas,

Abracem-se_ não temam agir com ternura, com amizade e compreensão,

Como disse Jesus: felizes os humildes, porque a terra herdarão.

Havia lágrimas nos olhos das mulheres ao ouvirem as palavras daquele jovem, e fitando uma a outra, se abraçam ternamente, ambas pedindo perdão por todas as desavenças que haviam desencadeado ao longo de décadas, e repetiam com sorrisos genuínos aquela sábia e eterna profecia: bem-aventurados os humildes, porque a terra herdarão_ diziam entusiasmadamente as irmãs.

_Podemos acompanhá-la em sua incógnita jornada,

Também queremos espalhar o perdão que dissipa a madrugada,

Será que podemos participar desta transformadora caminhada? _ indagou as irmãs com os olhos suplicantes.

_ Claro que podem. É tão belo e gratificante

Contemplar o espirito vivificante

Que molda e lapida a alma humana a qualquer instante.

Venham e me acompanhem! _ disse serenamente a semeadora.

E a jovem saiu dali, acompanhada das irmãs e continuou a caminhar com o espírito cheio de ventura e de graça, e repetia alguns versos com alegria, simplicidade e solenidade:

“A fé em Deus é a minha salvação,

O cordeiro de Deus venceu a escuridão”.

Ato 3

Perto de um muro, havia alguns jovens que aparentavam ser vândalos sem sonhos, sem metas, sem objetivos na vida. Respiravam e injetavam rebeldias, libertinagens e indiferenças. Parecia que o mundo e as pessoas durante as centenas de milênios que existiam em nosso planeta, ainda permaneciam hibernando, não viviam todos os fluxos e refluxos da vida, apenas existiam e dormiam dentro de si mesmos um sono espiritual, cósmico, cultural e existencial e pareciam continuar a viver toda aquela vida monótona, vazia, repetitiva, entediante; enfim, uma vida sem vida.

_ Houve um tempo em que meu único sentido de existir

Era o hedonismo_ era sempre buscar em qualquer coisa o prazer:

Os prazeres transitórios das drogas, das festas, enfim, me divertir.

Quando as sensações de qualquer tipo de prazer desapareciam,

O tédio, a desesperança, o ódio e a depressão então me consumiam,

Então buscava outros prazeres e euforias para encobrir uma verdade:

Eu era uma escrava de mim mesma _ escrava de meus desejos e vontades.

_Pensava que ser feliz consistia nos desejos e prazeres que deveria sentir,

Quando na verdade eu era a covarde sem metas e nem objetivos na vida.

Eu precisava me enfrentar para que pudesse acordar e me redescobrir,

Afinal uma vida sem novos sonhos e força é uma escravidão garantida.

_ Contudo, permanecer na apatia, na covardia e na alienação

Só soterram as estrelas e os talentos que vos habitam, meus irmãos.

Os homens e o mundo podem vos julgar, seja por aparências e ações agora

Mas Jesus veio por nós_ os doentes, os excluídos, os jogados fora,

E vocês são os filhos amados dos sonhos que Jesus vos tem reservado_ relatou com brilhos nos olhos e na voz a semeadora.

Os jovens olhavam-se para si, atônitos, perplexos e um pouco confusos. Nunca tinham ouvido alguém falar daquele jeito e então disseram:

_ De fato, estamos cansados de ser quem somos,

de viver do jeito que vivemos.

Diga-nos o que fazer nós devemos?

A jovem sorriu, aproximou-se ainda mais dos quatro adolescentes e pediu que eles e as irmãs fizessem um círculo e que segurassem as mãos uns dos outros. Ela também fez parte daquele círculo humano. Ela então proferiu:

_ Eu irei recitar alguns versos e vocês repetem. Fechem os olhos e não se importem se as pessoas passarem aqui e acharem estranho, ou se elas rirem, ou se nos chamarem de insanos. Apenas escutem a minha voz e depois libertem a própria voz de cada um de vocês. Ok? Vamos lá! _ proferiu a semeadora.

“A fé em Deus é a minha salvação,

O cordeiro de Deus venceu a escuridão,

A sociedade julga pelas aparências,

Mas Deus sonda e conhece o nosso coração;

Somos os frutos dos sonhos de Jesus,

Pois o Seu amor é a nossa força e nossa luz”

_ Boa gente. É isso mesmo.

Viram o quanto nós podemos ir além de nossas limitações e percepções quando entregamo-nos aos sonhos e ao amor de Deus em nossos corações? _ afirmou e indagou com leveza e convicção no tom da voz e no rosto a semeadora.

_ Nunca me senti assim antes_ verbalizou o jovem tatuado.

_Nem eu. É, sei lá cara, mas eu senti uma felicidade tão diferente e paciente, uma felicidade em que a mente não mais questiona esse êxtase que a gente sente_ disse o outro jovem.

_O que nós faremos agora? _ indagou um dos adolescentes, jogando numa lata de lixo uma garrafa de bebida alcoólica.

_ Venham, se quiserem ir comigo, nós poderemos ser testemunhas do quanto Deus pode lapidar e transformar o que as pessoas julgam ser impossíveis. Acompanhem-me, meus amigos, e vamos nos embriagar e nos deleitar com as maravilhas e com o amor de Deus em cada momento, vamos celebrar a vida e os sonhos no mais fundo de nossos pensamentos_ disse jubilosamente a semeadora.

Ato 4

Os discípulos da semeadora, tocados pelo Espírito Santo, estavam e caminhavam felizes e jubilosos. As pessoas, na virtualidade contemporânea, estavam cada vez mais conectados com quase tudo no mundo, menos com as coisas mais simples, raras e preciosas da vida, tipo cada ser encontrar a si mesmo e seguir o próprio sentido de sentir as coisas, acordar, amar, se relacionar com o mundo e com as pessoas e a realmente a viver.

Um do grandes males da humanidade é a solidão mal direcionada que constrói raízes de ressentimentos, de invejas, ódios e de tristezas na alma das pessoas ao longo das gerações. Havia um homem que falava sozinho, reclamando dos vizinhos, das pessoas, dos jovens e de tudo.

_ Esses são os brilhantes e prósperos futuros da nação?

Não passam de um bando de arruaceiros sem educação,

Não passam de vagabundos sem princípios morais e sem religião.

Vivem e morrem no pecado. Merecem o inferno da condenação_ comentou o senhor Thiago ironicamente.

(O jovem tatuado que havia pichado o muro pegou em uma pedra do chão para atirar naquele homem ranzinza e lamuriante)

_ Não faça isso. Jamais devemos pagar um mal com outro mal.

Vencer a maldade com o bem é o nosso dever capital _ advertiu com simplicidade a semeadora.

(A semeadora se aproximou do velho e este, do nada, retirou das costas uma arma que estava escondida, pois o velho pensou que eles eram marginais ou ladrões)

_ Senhor, eu lhe asseguro não vou lhe fazer nenhum mal.

Mais pense: quem é o único juiz que pode salvar e condenar uma pessoa?

Quem dentre todos nós seres humanos jamais pecou afinal?

Com a mesma língua dizes o nome de Deus e com ela nos condena,

Todos os que se julgam puros aos próprios olhos são dignos de pena,

Pois jamais conheceram a palavra de Deus e nem a graça divina.

_ Não me venha com retóricas teológicas e nem com sermões.

_ Como o senhor se chama? _ indagou a semeadora.

_ meu nome é Tiago e o inferno, sua pecadora, será a tua cama!

_Enquanto vossa graça reclama de tudo e condena o que pensas conhecer,

Eu agradeço a Deus pela vida que brilha e pulsa no mundo, seu Tiago;

Sou grata por nossa saúde a cada despertar e anoitecer,

Sou grata pelas pedras que surgem para que possamos amadurecer,

Sou grata pela vida destes jovens que há pouco acabei de interceder,

Mas o mundo não será mudado com intolerâncias e vis preconceitos,

O mundo não será mudado com violências, repressões e desrespeitos,

A sociedade não será transformada com lamúrias e reclamações,

Antes, sejamos gratos a Deus por ter se sacrificado pelos nossos pecados e transgressões.

_ Conheço o seu papinho moderno;

São a favor desses degenerados destinados ao inferno:

Homossexuais, muçulmanos, negros, hereges, adúlteros e ateus,

A retidão de meus passos me conduzirá ao paraíso de Deus_ proferiu com hostilidade o senhor Thiago.

_ Não senhor: há milhões de pessoas religiosas, mas cristãos há poucos.

Pois já disse Jesus: não julgueis e não sereis julgados,

Não condeneis e não sereis condenados,

Perdoai e serei perdoados,

Quem somos nós para julgarmos o nosso semelhante,

Como se fôssemos as divindades puras e perfeitas de cada ato e instante?!!

_ Eu julgo quem eu quiser, sua pirralha_ gritou o velho para a semeadora.

(Havia algumas lágrimas nos olhos da semeadora que se dirigiu lentamente para perto do velho, sendo que este a ameaça com uma arma em punho, enquanto os quatro adolescentes gritavam para ela se afastar daquele homem)

_ Você, minha jovem, por acaso é louca e deseja tanto para si a morte? _ ameaçou o senhor Thiago.

_ Não senhor. Eu amo a vida: amo a música, amo refletir sobre as coisas, ler, conversar, rir de meus erros, ajudar aos outros, pensar. Amo inúmeras pessoas e coisas. A dor da morte dela só está acabando com a sua vida, seu Tiago? Não faça isso. Não permita que essa dor consuma qualquer resquício do homem gentil, afável, generoso, amigo, solidário que o senhor era! Não permita que o fogo do bem e da verdade seja apagado de sua realidade, de sua autêntica integridade! _ disse com afabilidade a semeadora.

_Mas como você sabe tudo isso, sua estúpida asquerosa?

Quem te contou sobre a minha vida sua... sua...

Sua arrogante e presunçosa? _ pronunciou o senhor idoso com a voz trêmula.

A semeadora o abraçou, e a arma que estava na mão do velho caiu e Thiago perguntou:

_ Afinal de contas, quem é você?

(A semeadora sorriu, olhou para os jovens que a seguiam, sentiu o espírito da vida e de Cristo em sua alma e disse com serenidade ao senhor Thiago)

_Eu sou apenas uma tola pecadora buscando encontrar, celebrar,

E quem sabe, ajudar a desenterrar as pérolas e a sabedoria,

A bondade e as faces do bem até quando os olhos humanos

Só encontram o silêncio esmagador da tristeza e da agonia.

(O senhor Tiago baixara a arma, se dirigiu até a sua casa, entrou e depois de alguns minutos, saíra. Tinha trocado de blusa, caminhou calmamente até a semeadora e ao mostrar uma bíblia que carregava entre os braços, disse aos presentes ali)

_ Estive vivendo como se eu fosse um imaculado juiz,

Sempre condenando, praguejando, rotulando quem eu quis.

Finalmente, meus olhos acordaram e sei que o evangelho da vida

Consiste no perdão, na compaixão, na prática do bem e da justiça

Na misericórdia e na empatia_ tudo isso é que nos faz feliz.

Perdoem-me por minhas ações. Será que posso ir com vocês?

A semeadora o olha com ternura e responde:

_ Ninguém que as pessoas não mudam e que a maldade já venceu.

Mas como pó que somos todos nós, eu digo:

Eis-me diante de um novo homem, deveras nosso amigo,

Que da escuridão da intolerância e ódio morreu e do Espírito renasceu.

(O Senhor Tiago apertou a mão da semeadora e dos demais adolescentes que com este continuariam a peregrinar pela cidade)

Ato 5

A morte sempre foi uma dos inimigos mais intrínsecos e apavorantes que atormentam e angustiam a vida de qualquer ser consciente, pois “o homem é o único ser no planeta que carrega o cadáver de si mesmo nas costas o tempo inteiro, pois sabe mais do que deve e menos do que precisa”. As pessoas têm medo da morte porque têm medo da própria vida. O ato de se despedir de quem amamos e valorizamos não é nada fácil, pois as despedidas doem certamente. Assim estava ocorrendo com a senhora Raquel no velório da própria filha.

Mesmo quando se sabe que aquela pessoa pode voltar, ficamos sem rumo, sem saber para onde correr ou no colo de quem chorar. Nossa maior certeza nessa linda e ardilosa vida é que “o nosso para sempre um dia acaba” aqui. Como já disse um certo escritor: “A dor de perder alguém em vida é pior do que a dor da morte, porque é o nunca mais de alguém que se poderia ter, já que está vivo e por perto”.

Entretanto, “todo aquele que crê em jesus, fluirão rios de água viva”, e a morte será apenas uma breve passagem a fim de que possamos estar e viver no reino e nos braços compassivos, onipotentes e cheios de ternura e de amor de nosso Deus e Pai Soberano.

Não obstante, mesmo padecendo uma angústia indescritível no velório da própria filha, Deus tinha um propósito a executar ali por meio da semeadora de valores.

A semeadora e os demais caminharam até onde estava o caixão, notando que alguns se perguntavam “quem são estas pessoas?”, já outras nem os percebia. Havia uma senhora, que provavelmente era a mãe e que não largava do caixão e repetia várias vezes as mesmas frases: “por que Senhor tu levaste a minha filha? Meu Deus, ela era tão boa e tão jovem. Por que tu não a curaste, meu Deus?”

_ Boa tarde, senhora. _ disse a semeadora para a dona Raquel.

_ Boa tarde. Obrigado por virem ao velório de minha filhinha e compartilharem o nosso pesar. Vocês querem algum chá... Água... Podem se sentar... _ solicitou com gentileza e com os olhos marejados a mãe.

_ Senhora, obrigada por vossa gentileza. Mas não somos parentes sanguíneos de ninguém aqui. Nossa missão possui uma outra natureza.

_ Como assim! Vocês não conheciam a minha filhinha Ana! Quem são vocês afinal de contas? _ perguntou perplexa a mãe.

(A semeadora fitou o rosto que havia no caixão. Era uma jovem que deveria ter no máximo 28 anos de idade)

_ Dona Raquel, sinto muito pela sua perda de sua filha Ana! _ disse a semeadora com tristeza na voz.

_ Você me conhece... Conhece a minha filha? _ indagou a mãe surpresa.

(A semeadora não suportou o peso de todo aqueles prantos e dores. Sentou-se em uma cadeira que estava perto do esquife, e olhando para Ana e para a família, colegas, vizinhos e conhecidos, chorou silenciosamente)

_ Minha filha: por que choras por alguém que nem conhecias? _ inquiriu a mãe, tocando no ombro da semeadora.

A semeadora recuperou um pouco de alento, levantou-se da cadeira e lhe respondeu:

_ Raquel: não importam nossas culturas, divergências, etnias.

Todos nós somos irmãos filhos de um único criador

E me acredite Raquel: onde sua filha está já findara toda doença e dor.

Sua filhinha amada não está morta, apenas dorme no seio de nosso redentor. Você crê no que eu lhe afirmo?

(Raquel a investigou com os olhos: as roupas, o cabelo desgrenhado, os outros que estavam com ele. Sentiu uma raiva crescer e então desabafou em uma cadeira)

_ Quando quem morre são os filhos de outro é fácil falar, é fácil apregoar.

Tanto rezei a Deus para poupar a minha filha querida,

Até ofereci em troca a minha vida pela dela.

Nós rezamos e oramos todos os dias desde que ela adoecera,

Agora veja o resultado do amor e poder de Deus: simples_ ela morrera.

E nada e nem ninguém irão mudar isso.

E nem todo o sofrimento que diariamente eu convivo.

_ discursou a mãe com indignação e raiva.

_ Raquel, entendo a sua raiva, seus questionamentos, suas aflições.

Mas lembre-se: Jesus veio até esse mundo e padeceu indescritíveis humilhações e tribulações. Ele sabe e vê o ressentimento e o luto em todos os vossos corações.

_ Menina_ você não sabe o que é a dor? O que é gerar uma vida dentro de si, e depois de nove meses, aquela simples célula se transforma numa linda criança em seus braços. A morte levou minha vida, minha fé, meu amor e minhas esperanças. Vá e embora e deixe-nos sozinhas com nossos fardos e pungentes cansaços.

A semeadora olhou para todos e verbalizou:

_ Senhora Raquel e todos que estão aqui:

Acaso algum de vocês sabe o que eu já sofri e perdi?

(Houve uma pequena pausa e depois ela continuou)

_Eu estava na capital, trabalhando e estudando quando recebi a ligação:

Dois homens entraram na casa de meus pais e de meus dois pequenos irmãos. Invadiram a casa, assaltaram-nos e sem dó os mataram para que não houvesse nenhuma testemunha.

Lembro-me daquela ligação e de toda dor que senti ali todos os dias,

Bem como que tive que enterrar e sofrer sozinha a morte de minha família.

A princípio eu também questionei a Deus: se ele é bom e onipotente,

Por que ele não acaba com o mal, a fome, com as injustiças, chacinas, guerras, genocídios, por que não acabar sim literalmente.

Não encontrei respostas que me tirassem daquele vácuo frio e infernal:

Decidi que o suicídio acabaria com meu suplício e sofrimento descomunal.

Pensei naquele dia: se Deus não se importa com nada,

por que continuar em um mundo desumano, egoísta e irracional?

Foi naquele dia, quando retornava para o meu lar, a fim de estourar com uma arma a minha cabeça quando, ao esbarrar em uma criança, ela me revelou dolorosas verdades de meu oculto pesar.

Escutem-me o que aquela cândida e sábia criança me dissera...

(Uma criança fitava seriamente os olhos da semeadora, quando esta quase derrubara a criança ao se chocar nela. A criança percebeu a tristeza e o desespero no olhar da semeadora e disse-lhe)

_ Viver é tão difícil, mas ainda há tanta beleza,

até debaixo da escuridão podemos encontrar a nossa pureza,

podemos descobrir a nobreza que atrofiamos em nós,

e diante de nossas fraquezas e pobrezas, podemos cultivar ou enterrar o amor de Deus e fazer desse amor uma indiferença ou uma fortaleza

fazer, sentir, deixar ser tocado pelo sangue de tal filho e realeza:

um Deus que nos ama de tal forma que não poupa nem a si mesmo,

e se sacrifica por um mundo e uma sociedade cheia de crimes e torpezas,

mas Ele é amor, e é só por meio de amar e do amor que a gente pode

encontrar o milagre da vida, do recomeço,

o milagre de se levantar, de voltar a sorrir,

o milagre de se encontrar, o milagre da virtude, do silêncio e da certeza.

Sara, sou uma simples criança aviltada e desprezada nesse mundo,

Mas a gente pode florir onde é infecundo,

A gente pode renascer nos lugares mais nefastos e imundos_

Basta abrir as portas da alma, da mente e de nosso ser

Para que o espírito santo nos guie e nos preencha

E assim cada mágoa, ódio, inimigos, dúvidas irão pouco a pouco

Desvanecer e um novos sois e horizontes e ideias irão nos fortalecer.

Acreditas no que te digo e revelo, Sara?!! _ indagara a criança, fitando seriamente o rosto de Sara.

(A semeadora, que se chamava Sara, respirou fundo, absorveu um pouco mais de oxigênio e de alento e falou a todos naquela casa onde só havia luto, prantos e desesperanças)

_ Deus, utilizando a pureza daquela criança

Tocou profundamente a minha alma. E uma mudança

Em meu íntimo se alojou e cresceu,

E sei que minha família não queria me ver afundada em descrença, iras, vinganças, pois a vida é muito breve a fim de que vivamos em constantes mentiras, desconfianças, medos, trevas, calúnias e matanças.

No cume da dor, da desesperança e da miséria física e espiritual

Podemos encontrar a fé, a alegria e o amor de Deus incondicional.

Todos naquele recinto ficaram emudecidos. Jamais eles ouviram uma história como aquela. Raquel, ao ver a jovem Sara desabar outra vez na mesma cadeira, derramando lágrimas sem emitir um único som, chegou perto dela, encarou-a sem piscar os olhos, e diante do próprio sofrimento, conseguira sentir o poder da atitude, do testemunho, da dor e da libertação e do alento que gotejavam em cada letra, sílabas e palavras proclamadas por aquela sofrida mas vívida jovem e semeadora.

O senhor Tiago, as irmãs e os demais jovens (ao sentirem que mesmo naquele silêncio indizível) a voz de Deus acariciava o rosto, afagava os cabelos, os ombros, os olhos e o estado de espírito de todos ali, começaram (como se parecem meros sussurros) a declamar:

“A fé em Deus é a minha salvação,

O cordeiro de Deus venceu a escuridão.

A sociedade julga pelas aparências,

Mas Deus sonda e conhece o nosso coração;

Somos os frutos do sonho de Jesus,

Pois seu amor é a nossa força e nossa luz”

O poder do espírito santo encheu de fé, consolos, amor e de força a todos naquela família. Até na mais profunda escuridão em que o homem possa se encontrar ou se esconder, basta acender um pouco de fé e logo o afago indizível e transformador da graça de Deus invadirá e preencherá todos os cômodos e recantos de nossas almas.

Nunca mais a vida, os pensamentos, as ações, as formas de encarar, enxergar e conceber o mundo, as pessoas, os fatos, os incidentes, ou qualquer outra coisa; em suma, nunca mais ninguém dali que fora tocado pelos transformadores, frutíferos e misteriosos caminhos e palavras da semeadora foram os mesmos, pois a palavra de Deus é o rio transbordante de revelações e libertações que jamais volta vazia, afinal Deus é a inefável realidade que venceu e sempre vencerá o nada e a morte.

Ato 6

A semeadora de valores continuou a sua odisseia complexa, árdua, mas sagrada missão: peregrinou pelo mundo, com a nobre missão de semear e de espalhar a redentora boa nova que Cristo Jesus legou para cada alma que se permita abrir todas as portas e janelas de si mesmo para a graça transformadora do amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

A batalha mais antiga do universo_ a luz versus as trevas_ teria no ocaso dos últimos dias um vencedor: a luz do pleno conhecimento da verdade e do amor de nosso humilde, amigo e eminente Redentor.

Gilliard Alves

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 30/09/2017
Reeditado em 31/10/2017
Código do texto: T6129011
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