O Paradoxo do Inexistente

De ônibus atravesso a ponte,

Duas margens unidas pela estrada

Suspensa em concreto e barras de aço,

Abaixo um rio que segue

Independente daquilo que atravesse,

Impassível, calmo, marés...

Lá do alto eu vejo suas dimensões,

A mata ao redor e poucas habitações,

Na velocidade e no ponto onde estou

Não sou mais diferente que o peixe

Ou a rabeta que cruza o mesmo rio,

Estamos todos ao mesmo tempo

Vivos e mortos seguindo...

Se a rabeta virar,

Se o peixe for fisgado ou devorado,

Se o ônibus ou a ponte caírem

Todos morremos e rio permanece,

Em alguma outra dimensão

Há um peixe sendo devorado,

Uma rabeta afundando,

Um ônibus se precipitando,

Assim como nesta estou

Tranquilamente respirando.

Na totalidade da existência

O tudo e o nada formam a coesão:

Imensuráveis, residimos no espaço

Em que se tocam

Cada possibilidade do tudo acontecer,

Do nada acontecer,

Entre elas nós tentamos,

Nós vivemos e morremos.

Então de fato, do alto da ponte

Eu morri. Não sou Schrödinger,

Mas eu morri e não há nada de ruim nisso.

Para o universo uma parte deve estar

E a outra precisa ruir.

Pense no que somos: erigimos nosso ser

Nessa dualidade, quem diz o que somos?

Sou professor porque um diploma

Assinado por autoridades

E legitimado socialmente dizem,

Sem esse papel-chique, o que eu sou?

Serei professor porque ensino

A lerem e escreverem através

De uma gramática normativa

Da qual precisarão saberem

Para fazer a prova do Enem?

Se não os ensinasse,

Como pra maioria ainda é,

Eles internalizariam pelo uso,

Então a gramática é só um livro

Para peso de portas;

Ainda que seja um instrumento

Que alimenta as dicotomias sociais

Elas existem porque o paradoxo diz

Onde existe a ignorância

Deve haver a ciência

E elas não se anulam,

Ao contrário, coadunam

Para criar ou o progresso ou o atraso,

Eu só tenho o azar de estar

Onde o nada existe.

Gosto de pensar que por aí

Um outro Diego Duarte

Regozija-se com a felicidade

Que me foi lograda,

Que este Duarte

Tem um lindo diploma

De engenharia e uma pós a caminho,

Que ele passeia num dia quente

Numa Belém sem Dudu e Zenaldo,

Numa das praças mais bonitas

Com a mulher que ele ama

E é recíproco,

Penso que sua conta bancária

Tenha saldo positivo

E ele deve frequentar a academia

Pelo menos dois dias da semana,

Ele nunca escreveu um só poema

E nem sabe que eu existo:

Quem tem muito esquece quem nada tem...

Esse Diego olha pra si e se ama,

Posta mensagem de autoajuda no Facebook,

É um panaca alimentado por Quebrando Tabu,

Filiado ao Partido Novo, votou no Amoedo,

Leva a namorada em pubs, bebe cerveja artesanal,

Não manda ninguém a merda,

Acha que racismo e fascismo

São enfrentados com diálogo,

Trabalha em repartição pública

E defende o serviço privatizado.

Eu odiaria esse Diego, se o conhecesse,

Mas ele é a parte do que em mim

Não existe e vive minha alegria

E eu sua tristeza,

Talvez ele morrera atravessando a ponte

E eu permaneça vivo.

Só saberei no Juízo.

Eu li uma notícia certa vez

De que o número de universos

São inimagináveis,

Que a leve mudança naquilo

Que penso, sinto, ajo e sou

Gera uma outra realidade

Onde não pensei, senti, agi e fui,

Pensar no “e se” é chover

E achar que o oceano

Ficou mais molhado,

Não há nado para o nada...

Devo pensar que parte desse Diego está aqui,

A parte que não é doente

E socialmente aceito,

A parte não demonstrada

Do amor que ele não sabe que sente,

A parte que diz:

Tu és normal, muita gente é pior que tu,

Então, depois dessa palavra,

Não posso mais ser um doente

E tenho que ter forças

Pra atravessar o rio Guajará,

Braçada por braçada,

Porque em algum lugar

Uma pessoa em pior condição

Já atravessou e por isso devo ser forte!

O que é a solidão

Para quem não tem um braço,

Uma perna, está recluso a uma cadeira

Mas tem a fé e um sorriso

Diante de todas as adversidades,

De repente, essa parâmetro abstrato,

De coisas que as pessoas já viveram

Piores que eu, se torna aloprado

E eu devo ser santo, justo e benevolente,

Os sentimentos de dor, raiva e vingança

Que todos os não doentes

Tem em abundancia

Não me são permitidos.

Eu devo ser grato por ser torto,

Pela mutação do gene EXT.,

Por ser tosco entre as mulheres

Pelo princípio lógico de todo sofrer:

Há sempre um pior que você

E assim benfazejam o desprezo

Que tem por ti.

É Diego, tu foste feito de ossos desajustados,

Fizeram-te para equilibrar o universo,

O outro lá era muito feliz!

Por isso não te apressa,

Haverá outros rios e outras pontes

E as pessoas são más querendo ser boas,

É a natureza de qualquer pessoa,

Agradeça por Nada...

Diego Duarte
Enviado por Diego Duarte em 13/10/2020
Código do texto: T7086602
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.