Vida após a vida

E quando eu morrer?

Adaptar-me-ei ao pijama de cedro?

E se um negligente alfaiate o fizer um número abaixo do meu?

Sentirei calor com um paletó de madeira de lei?

E se a madeira não for de lei?

(eu prefiro imbuia a mogno).

Ai, meu Deus, que medo: sou calorento à beça.

Darei um rolé pelo limbo?

Ou focinharei pelos terrenos pulcros e dóceis do umbral?

Vagarei?

(imagine isto: eu uma alma-penada).

Revolverei a lamaceira amável das bordas do Aqueronte?

Se as almas-penadas vierem puxar assunto comigo,

viro a cara para todas,

porque sou antipático quando quero

e não faço questão nenhuma de conseguir “um novo amigo”.

Arderei?

Para longe o fogo inextinguível?

Rodopiarei no garfo do capeta?

Vingar-se-ão as galinhas de nós, humanos?

Ai meu Deus; desculpem, galinhas e/ou galetos:

sou calorento a dar com o pau.

Esquecei vossos espetos,

e tratai-me com benignidade e perdão.

Eu não sei perdoar muito bem...

mas sei pedir perdão como ninguém.

Meus erros, sou o primeiro a reconhecer

tanto aqui, quanto no além.

Também não sou tão mau.

Já é um passo.

Ora, vamos com isso, um de cada vez.

Depois eu até tento um salvo-conduto para vocês.

Salvar-me-ás, ai Concílio Tridentino?

Ou se me fincará um tridente branco desavindo?

A propósito eu lera que o inferno é de gelo.

Dante a me criar dúvidas...

Ai, cadê meu Voltaire, meu Oscar Wilde,

cadê meus céticos de cabeceira?

O inferno de Dante é de gelo!

Tenho horror a frio.

Só gosto de bebê-lo

em dois cubículos no copo de uísque

e depois me deitar num belo sofá macio

e implorar a São Francisco de Assis que

me dê mais vinho, cerveja e Amontillado.

(Isso é pecado?)

Entre o frio e o calor,

o amor.

Onde estão os Rios Sagrados?

Cadê o Flégias, o Estige, o Jordão, o Eufrates,

o Amazonas,

o Nilo?

(o Nilo vale?)

Vê lá, purgatório, não quero estigmas em minha testa.

Ô purga, prepara-me um lugar razoável,

que um dia eu pinto por aí.

Acho que eu acho.

São Pedro, darling, sê bonachão;

e preparai-me (olhai o respeito com que vos passo a tratar)

uma nuvem fofa e branquíssima aí no paradise,

que qualquer hora a gente se vê, mano velho.

Abrir-se-me-ão em Gáudio as Portas Áureas do Celeste?

(Meu Deus, dai um jeitinho?)