A FADA DO RIO

A FADA DO RIO (30 jun 11)

(Conto popular eslavo, recontado por William Lagos.)

A FADA DO RIO I

Às margens do Dnieper, um moleiro

por nome Vássia, vivia há muitos anos.

Ele expandira de seu pai os planos,

moía trigo e ganhou muito dinheiro.

Tinha uma filha, a quem, por brincadeira,

chamara de Rusalka, uma bravata

de quem as lendas do povo não acata,

que lhe custou má sorte bem certeira...

Pouco depois, sua esposa faleceu,

após ter dado à luz outra menina.

Já ressabiado de brincar com a sina,

o nome simples de Ana então lhe deu.

Tentou então concentrar-se no trabalho

e tinha amas cuidando das crianças.

Pôs em novo casamento as esperanças

e se casou, no descuido de ato falho.

Porque Natascha, a sua nova esposa,

não pertencia realmente à raça humana.

Não era bruxa, mas condição arcana

tornava, às vezes, a sua pele rosa

em um couro peludo, quando a Lua

no céu brilhava. na época da Cheia...

Não era loba, como se receia,

mas as roupas tirava, ficando toda nua...

A FADA DO RIO II

Ela encolhia e perdia a cabeleira;

uma cauda entre as pernas lhe crescia

e transformada em gata, ela fugia

por duas noites, só voltando na terceira.

Assim a Vássia ela sempre dizia

que prometera, ao menos uma vez,

quando chegasse o final de cada mês,

ir visitar sua mãe... E não mentia.

Porque Nadezhda, sua mãe, era outra gata

e assim as duas subiam nos telhados,

cantando à Lua, em dueto de miados,

alimentando-se com os pássaros da mata.

E quando a Lua deixava o apogeu,

as duas retomavam a forma humana.

O pelo lhes caía, como escama,

nesse capricho que o Fado assim lhes deu.

Natascha então da mãe se despedia

e voltava de novo a seu moinho...

Tratava Vássia com o maior carinho:

que era a madrasta, dizer ninguém podia,

pois a Rusalka e a Ana demonstrava,

em mil cuidados, um perfeito amor.

Educava as duas meninas sem rancor,

limpava a casa, tecia e cozinhava.

A FADA DO RIO III

Só num ponto ela e Vássia discordavam,

pois queria ter um filho o bom moleiro,

que do moinho se tornasse seu herdeiro...

Mas nem por isso os dois se contrariavam.

Natascha não queria descendência,

porque seus filhos também seriam gatos,

uma vez a cada mês... E pelos matos

sairiam a correr, com independência...

Assim, sem dizer nada, os evitava,

embora nutrisse por Vássia grande amor.

Ela o abraçava, sem negar-lhe seu calor:

passados anos, porém, não engravidava.

Ficou o moleiro assim desapontado,

mas tinha as filhas, a quem via crescer;

Natascha em nada as deixava padecer

e em tudo mais era Vássia contentado...

Porém um dia, por qualquer motivo,

Natasha e a mãe subiram ao telhado

do moinho... Vássia acordou-se, perturbado

pelos miados de estridente crivo

e foi espantar os gatos. Em sua mão,

trazia uma adaga... A velha derrubou

com uma pedrada!... Natascha o atacou

e lhe cortou uma pata com o facão!...

A FADA DO RIO IV

As duas fugiram, feridas e estropiadas...

Vássia somente por um pouco as perseguiu.

Guardou a adaga, lavou-se e então, dormiu,

sem mais pensar nas gatas espantadas...

Passado o encanto, Natasha retornou,

a mão esquerda coberta por bandagem.

Vássia indagou. Ela encheu-se de coragem,

contando ao esposo o que lhe aconteceu.

Porém Vássia, em confusão e horror,

a expulsou de casa, de imediato,

cheio de medo e remorso pelo fato

e sem mais crer que lhe tivesse tanto amor

essa sua esposa já de tantos anos...

As meninas choraram, inutilmente.

O moleiro não queria mais Natascha pela frente:

era uma bruxa, com motivos desumanos!...

Porém Natascha, que o amava de verdade,

sentiu-se tão magoada, que no rio

foi-se jogar, onde morreu de frio,

seu coração se enchendo de maldade.

E descobriu as náiades das águas,

a quem rapidamente dominou.

A Rainha das Russalki se tornou,

a remoer seus rancores e suas mágoas...

A FADA DO RIO V

Foi Vássia atrás da sogra e a encontrou

rígida e fria, dentro da cabana.

Na morte recobrara a forma humana

e o bom moleiro então se emocionou...

E foi depressa buscar um sacerdote,

para abençoar o túmulo das duas.

Mas o corpo de Natasha, em muitas luas,

foi procurar em vão, remando o bote...

Mas nem ele, nem ninguém, o pôde achar.

Então o sacerdote o aconselhou:

"A tua esposa no Dnieper se afogou:

talvez tua filha também venha buscar...

O melhor é para a aldeia se mudar.

Para a menina escolheste um feio nome:

de mais russalkas esse rio tem fome

e ordenará que a venham capturar..."

Mas Vássia recusou-se. "Eu sou moleiro,

junto das águas está o meu moinho;

preciso levantar-me bem cedinho:

é o rio que me garante meu dinheiro.

E o nome de Rusalka vem da dança,

da Rousalka, que festejam no verão,

quando as rosas têm sua plena floração:

não foi por mal que assim chamei essa criança!"

A FADA DO RIO VI

Porém, severamente, admoestou

as duas meninas a que não chegassem perto

do Dnieper, se estivesse o cais deserto

e governanta eficiente contratou.

Porém um dia, em que estava trabalhando,

tinha Rusalka então seus quinze anos,

desceu ao rio, para lavar uns panos,

sem que houvesse ninguém se aproximando.

E quando à beira do rio ela ajoelhou,

surgiu Natascha e dela aproximou-se

e a seduziu, com um falar tão doce,

que Rusalka nem um pouco se assustou...

Então Natascha, no seu ressentimento,

para dentro do rio logo a puxou!...

E Rusalka, bem depressa, se afogou,

transformada em rusalka, num momento!...

Só encontraram suas roupas e sapatos...

O pobre Vássia ficou desesperado

e percebeu ter sido amaldiçoado,

desde o dia em que espantara aqueles gatos!

E como tinha juntado um bom dinheiro,

comprou terras e se mudou para a cidade,

levando Ana consigo... E é bem verdade

que nunca mais desejava ser moleiro!...

A FADA DO RIO VII

Natascha transformara-se, entrementes,

num verdadeiro espírito das águas.

Das tempestades provocava as fráguas

e originava correntezas inclementes...

Torna-se uma buditchka, certamente,

e conquistara o amor do Rei do Rio,

Kulebovy... E lhe afastava o frio,

nos mil carinhos de esplendor nascente...

E quando Kulebovy era inclemente,

arrancava do barco os pescadores,

puxava para o fundo os nadadores,

durante a Rusalnaia, especialmente,

essa semana em que os espíritos do rio

podiam sair para a terra a cada noite,

dançando a Korowody, em seu afoite,

como uma forma de espantar o frio...

Rusalka, porém, só desejava

recuperar a sua aparência humana.

E diariamente a Natascha ela reclama...

Por ver seu pai de novo a pobre ansiava...

Embora Kulebovy lhe explicasse

que uma rusalka só podia retornar

se conseguisse um vero amor acalentar

por algum homem que realmente a amasse...

A FADA DO RIO VIII

Um dia Levko, um príncipe formoso,

ouviu falar que existia a Corça Branca

e por caçá-la o seu ardor não estanca,

a persegui-la, com ânsia fervorosa!...

Rusalka, por acaso, fora à margem

do rio, porque a noite ja caíra...

Sentada numa bétula, ela assistira

como o príncipe caçava, com coragem...

Seus cabelos eram louros e muito branca

se tornara a sua pele; e de seus olhos

fulgia um fogo verde, em seus refolhos...

Porém sua face era formosa e franca.

Ao vê-la ali sentada, a corça estanca,

dá uma guinada e no bosque já se esconde...

Chegou o príncipe e, sem saber aonde

fora a sua corça, a sua espada arranca!...

Ao ver Rusalka na bétula empoleirada,

pensou ser a sua corça, pois diziam

que era uma princesa, que os fados permitiam

tornar-se humana, ao ser desencantada...

Ao ver sua pele branca e seus cabelos,

apaixonou-se então, perdidamente...

E por Levko, Rusalka, certamente,

transformou suas esperanças em desvelos...

A FADA DO RIO IX

Ao ver Rusalka, o príncipe abriu-lhe os braços

e ela saltou de seu poleiro, sem pensar...

E no seu peito deixou-se acarinhar,

os dois perdidos em românticos abraços...

Rusalka confessou ser encantada,

mas não contou não ser a Corça Branca.

Em um beijo de amor, sua boca estanca

o sofrimento e sua tristeza fez-se em nada...

Rusalka ali ficou, hora após hora,

mas sentiu os seus cabelos ressecar-se

Soube que iria morrer, se continuasse,

pedindo a Levko que a deixasse ir embora.

Mas o príncipe a pediu em casamento...

Rusalka um novo encontro lhe promete...

Como penhor, Levko lhe deu um leque,

trazido em seu bornal, nesse momento...

Ora, esse leque era um presente recebido

de sua noiva, hospedada em seu castelo,

do qual se desfazia, em tal desvelo,

por grande amor que o coração tinha vencido.

Quanto a Rusalka, assim que Levko partiu,

seu coração de amor a palpitar,

cantou à Lua que viesse a lhe ajudar

e só depois ao rio se dirigiu...

A FADA DO RIO X

Desceu às águas e foi diretamente

falar com sua madrasta e com o rei...

Kulebovy tinha amor pela sua grei

e lhe explicou que essa ideia, realmente,

não poderia trazer-lhe qualquer bem.

Mas Rusalka insistiu e Kulebovy,

sentiu que o coração se lhe comove

e até Natascha lhe pediu também...

"Ainda acho ser péssima ideia,

porém, se queres tanto, então procura

Yezibaba, a bruxa, para a cura...

Somente ela conhece a assembleia

de todos os encantos e feitiços,

das maldições e das ervas o endereço...

Só não te esqueças de que tudo tem um preço,

até mesmo os amores mais castiços!..."

E assim Rusalka a Yesibaba procurou

e a feiticeira não a queria atender.

Mas tanto a jovem persistiu no seu querer

que a velha bruxa finalmente concordou.

Mas avisou-lhe que o preço desse dom,

que a faria retornar à forma humana,

seria perder a fala. "E a desumana

gente da terra não te fará nada de bom!..."

A FADA DO RIO XI

"E pensa bem!... Se tomares a poção

e teu príncipe algum dia te esquecer,

como castigo, os dois irão morrer,

condenados à eterna danação!..."

Porém Rusalka em seu amor confiava,

na inexperiência de seus quinze anos...

Tomou a poção e sofreu males insanos,

mas logo a forma humana recobrava.

Yesibaba, então, guardou-lhe a fala

no interior de uma concha nacarada.

Quando Rusalka retornou, era esperada

por sua madrasta, que lhe deu trajo de gala.

E em troca, o seu pente lhe pediu:

"Se algum dia precisares retornar,

o meu afeto poderás reconquistar,

junto a este pente que em minha mão luziu."

Pouco depois, o príncipe surgiu

e viu Rusalka, mais bela que lembrava.

Tomou-a nos braços, mas ela não falava:

mesmo assim, o seu amor não diminuiu.

Colocou-a na garupa do cavalo

e galopou em direção a seu castelo.

Porém lhe disse que por mais que fosse belo

o seu nome, não poderia empregá-lo.

A FADA DO RIO XII

Pois prometera contrair seu matrimônio

com a corça que havia desencantado.

Contudo o nome de Rusalka pronunciado

lembraria aos cortesãos algum demônio...

Ela a apresentaria como Liubliana...

E perguntou se o novo nome lhe agradava.

Em concordância, ela sorriu e lhe acenava:

perdera a fala ao retornar à forma humana!...

Já no castelo, ele atribuiu à timidez

esse silêncio estranho da menina...

Por sorte, antes de enfrentar sua sina,

ela aprendera a escrever... E assim fez,

quando se achou com o príncipe sozinha...

Um sacerdote ortodoxo a batizou

e, por escrito, ela os votos afirmou,

sendo abençoada em longa ladainha...

Dentro em breve, celebrou-se o casamento,

com grande pompa e alegria desusada.

Mas a princesa que fora desprezada,

lançou nos dois um mau encantamento...

Em breve veio sobre Levko o esquecimento:

não mais podia a Rusalka conhecer.

E assim ninguém o pôde convencer

que se casara com ela em algum momento...

A FADA DO RIO XIII

Rusalka então partiu, envolta em prantos

e o casamento, a seguir, foi anulado,

sob o pretexto de que não fora consumado.

Procurou Levko da noiva seus encantos.

Ela pediu que seu leque devolvesse.

O príncipe não lembrava o que fizera,

mas que ele o havia dado ela soubera,

desde o momento em que a magia fez-se.

E assim, ela partiu em sua carruagem,

com seus servos e sua comitiva.

Ficou Levko sozinho e a mente esquiva

não recordava seu amor, nem de passagem.

Para ele, nada havia acontecido

e, no outro dia, novamente ele montou:

mais uma vez a Corça Branca procurou;

toda a lembrança de Rusalka havia perdido!...

Sua salvação havia comprometido,

mas nem por um instante desconfiava.

E logo às margens do Dnieper retornava,

empós a caça que já havia perseguido.

Porém Rusalka fora recebida com carinho

pela madrasta e pelo Rei do Rio.

Yezibaba sentiu forte arrepio

e abriu a concha com a ponta de um espinho.

A FADA DO RIO XIV

E a fala de Rusalka foi nadando,

até chegar à sua boca e à sua garganta.

Um tal portento ali ninguém espanta,

mas Yezibaba a seguiu e foi falando

que ainda tinha efeito a sua poção,

porque Rusalka em buditchka se tornara

e não apenas a sua fala recobrara:

era preciso cumprir a maldição!...

Como buditchka, era do mal agora

e tinha de afogar muitas crianças!...

E despertar nos homens esperanças,

para o fundo os carregar na mesma hora.

Mas Rusalka protestou não ser assim!...

Yesibaba uma adaga deu-lhe, então:

"Deves cravá-la de Levko no coração

ingrato, que tanto mal te fez, enfim!..."

De novo Levko a Corça Branca perseguia...

Ao ver Rusalka, de tudo recordou:

abraçou-a enamorado e até a beijou.

Mas esse beijo a sua morte pressagia...

A boa Rosalka lançou no rio a adaga,

porém de nada adiantou. No mesmo instante,

veio um clarão de luz enregelante,

do encantamento, a exigir sua paga!...

A FADA DO RIO XV

Foram votados os dois à perdição!...

Rusalka retornou para a água fria,

enquanto Levko, sem querer, partia

e se lançava à plena escuridão...

Pois se tornara um gênio da floresta,

sem alma e sem amor, sempre vagueando,

sem pouso e sem descanso algum gozando.

E o Rei do Rio só balançava a testa,

Dizendo só haver futilidade

em quaisquer sacrifícios dos humanos:

"Ninguém pode superar os maus arcanos,

nem mesmo os seres mais cheios de bondade!"

Porém Rusalka ainda evitava fazer mal,

enquanto ia, aos poucos, definhando...

E pelos bosques Levko ia vagando,

desde esse beijo da morte tão fatal!...

Porém, um dia, encontrou um homem morto,

muito pálido e sugado até exangue:

algo lhe havia chupado todo o sangue,

por maldade, por fome ou por desporto.

Durante as noites, ele ouvia um pranto,

que não sabia bem de onde provinha...

Mas noutro dia, escutou uma ladainha

e foi em busca de onde vinha o canto.

A FADA DO RIO XVI

Havia um homem parado no caminho

e um menino à sua frente, olhos imensos,

que insistia, em mil pedidos tensos,

que o batizasse, por estar muito sozinho!

E o homem replicava não poder:

não era padre, monge, nem abade...

Terrível cólera então o menino invade,

que de um salto sua garganta foi morder!

Saltou Levko, com ainda mais destreza:

puxou a criança do homem assustado.

Ela se debatia, até que, superado,

os dentes desprendeu da infeliz presa.

Saiu o homem, correndo amedrontado,

enquanto parava o menino de lutar

e se encolhia, num infeliz chorar,

acusando Levko de o batismo ter negado...

"Como assim?" Levko quis então saber.

"Eu me afoguei, sem ter sido batizado,

fui a vaguear pela praia condenado,

até que possa meu batismo receber...

Queria beber o sangue do viajante,

para beber com ele o meu batismo!...

Você não me deixou!... Por seu egoísmo,

vou ter de achar mais um outro caminhante!"

A FADA DO RIO XVII

Levko tomou o menino pela mão,

que não parava de se debater...

"Não me jogue no rio! Eu vou perder

a última chance de minha salvação!..."

Contudo, Levko o levou até a margem

e Rusalka muitas vezes invocou.

Finalmente, dentre as ondas assomou,

pois tivera de fazer longa viagem...

Levko então mostrou-lhe o pequenino.

"É um nenê rusalka," ela afirmou.

"E o que posso fazer?" Levko indagou.

"Tens de ir à igreja e lá tocar o sino;

então serás visível e poderás pedir

ao sacerdote que o batize, então.

Seu espírito alcançará o perdão

e para os céus conseguirá partir..."

Mas o menino não parava de gritar

e contra Levko tão só se debatia.

Rusalka então, logo a seguir, se decidia

a nos cabelos da criança colocar

seu mágico pente, que fez que se aquecesse

o pequenino, que não mais chorou.

Mas Rusalka, com firmeza lhe ordenou

que seu pente, sem falta, devolvesse!...

A FADA DO RIO XVIII

Levko recobrou sua humana forma

ao ir à igreja, em seus braços o menino,

do campanário após tocar o sino...

O seu pedido então ao padre informa,

que declarou não batizar de graça...

"Não tenho dinheiro," disse Levko, impaciente.

"Não tens dinheiro? Então me dá esse pente!",

disse o padre, resmungando uma pirraça.

Levko hesitou, mas a criança

lhe pareceu ser bem mais importante

e o pente entregou, no mesmo instante,

da salvação do menino na esperança.

E o padre proferiu, de má vontade

o ritual do batismo... E o sacramento

exerceu o seu poder nesse momento:

valia mais que do padre a sua maldade!...

E para espanto dos dois, essa criança

elevou-se no ar, no mesmo instante!...

E se foi ao paraíso, triunfante,

recompensando de Levko a esperança.

E o padre se mostrou tão espantado,

que devolveu, seu protestar, o pente.

Então Levko sumiu, incontinenti,

deixando o padre quase morto de assustado!

A FADA DO RIO XIX

Levko então até o Dnieper retornou

e devolveu a Rusalka o belo pente.

Yezibaba apareceu, muito contente:

"O encantamento agora se quebrou!

Os dois mostraram ter puro coração,

por esse ato de generosidade;

e a partir deste momento, na verdade,

foi pago o preço inteiro da poção!..."

Porém Rusalka dela desconfiou:

"Até o fim de meus dias vou viver,

no fundo deste rio, a padecer:

a inteira bênção a meu amor eu dou!...

Levko querido, não me dês um beijo,

porque irás, em breve, renascer

e a vida antiga irás toda esquecer,

até quando encontremos outro ensejo..."

Tudo ao redor sumiu, devagarinho...

Quando Levko acordou, era um moleiro...

Do que ganhava, quase tudo inteiro

ele entregava ao dono do moinho,

que era o pai de Rusalka, justamente...

Enquanto isso, Ana, já crescera

e por ela um grande amor desenvolvera,

pois se olvidara de Rusalka, novamente...

A FADA DO RIO XX

Porém Vássia, o pai das duas meninas,

de modo algum permitiria o casamento.

Estava rico, passara o mau momento

e não queria recordar as velhas sinas

de sua esposa e de sua filha amada.

Da aldeiazinha tornara-se o prefeito

e acreditava assim ter o direito

de casar Ana com gente endinheirada...

"De forma alguma, porém, com moço pobre!

Nem a queria jamais perto do rio!"

O pedido de Levko negou, com gesto frio:

sua filha Ana desposar iria um nobre!...

"Eu lhe arrendei o meu velho moinho,"

disse a Levko. "Você trabalha duramente,

mas não desejo que minha filha se apresente

onde sua irmã encontrou tão mau caminho!"

Nesse momento, um tanto vagamente,

da boa Rusalka o jovem recordou.

Mas seu amor por Ana o dominou

e retornou ao moinho, tristemente...

Andou por longo tempo pela estrada;

depois à beira do rio adormeceu.

Porém, no meio da noite, percebeu

a sala do moinho iluminada!...

A FADA DO RIO XXI

Foi devagar e olhou pela janela.

Lindas mulheres na sala festejavam:

alegremente jogavam e brincavam,

à exceção, tão só, de uma donzela,

que num canto se assentava, entristecida...

E pressentiu então, num arrepio,

que todas eram as rusalki desse rio,

que tinham vindo lhe roubar a vida!...

Mas uma delas em corvo transformou-se

e saiu a perseguir, bem velozmente,

as outras jovens, a brincar alegremente...

Levko recuou, temendo mais expor-se...

Só foi notado pela jovem mais tristonha,

que se ergueu furtivamente de onde estava,

abriu a porta e do rapaz se aproximava,

e ao contemplá-lo, seu olhar ficou risonho...

Subitamente, Levko dela se lembrou.

"Era Rusalka! De que modo a esquecera?

Porém agora... a Ana se prendera!

O que farei?" A si mesmo perguntou.

A jovem abraçou e quis beijá-la,

mas ela bem depressa se afastou:

"Não, meu querido, seu coração mudou;

minha irmã o ama e não irei magoá-la!..."

A FADA DO RIO XXII

"Eu quero apenas a sua felicidade

e não me venha mais falar de amor.

Isso eu lhe peço como um último favor.

Seu coração é bem volúvel, na verdade...

Esta é a última vez que me verá,

porém de longe, eu sempre vigiarei

e fique certo de que o castigarei,

se minha Ana alguma vez se magoará..."

"Só vim aqui para dar-lhe um pergaminho,

que de meu pai irá mudar o pensamento.

Ele então consentirá no casamento,

portanto, trate minha mana com carinho!"

Pôs uma carta lacrada na sua mão,

voltou até a sala e assobiou...

No mesmo instante, o festejar cessou

e se apagaram as luzes do salão!...

Então Levko sobre a praia despertou,

as ideias já fugindo de sua mente,

pois tudo fora um sonho, certamente...

Para o moinho então se encaminhou

e percebeu em sua mão o pergaminho!...

Estava a Vássia claramente endereçado...

Vazio o moinho e tudo organizado,

cada objeto guardado em seu cantinho...

A FADA DO RIO XXIII

No outro dia, levantou-se bem cedinho:

era domingo e não trabalharia...

A carta sobre a mesa o atraía

e foi depressa entregar o pergaminho.

Com má vontade, Vássia o recebeu,

abriu a carta e arregalou os olhos!...

Então alisou lentamente seus refolhos...

O que dizia Levko nunca conheceu...

Mas Vássia o encarou, bem diferente

e declarou no casamento consentir,

com uma condição. "Não vou permitir

que Ana more no moinho, novamente!...

Serás, portanto, o meu superintendente.

Ana de todos os meus bens é a herdeira:

quando chegar minha hora derradeira,

terás de tudo a posse permanente.

E foi assim. Levko e Ana se casaram

e um ao outro amaram ternamente,

com um carinho constante e permanente

e a Vássia com seis netos alegraram...

Porém Rusalka continuou em solidão,

penteando seus cabelos sobre um galho

forte e robusto de um velho carvalho,

sem esquecer quem lhe partira o coração...

EPÍLOGO

Mas certa feita, conta ainda esta canção,

cumprido o tempo de sua vida natural,

ergueu o olhar ao céu, numa estival

noite bem clara, já no meio do verão...

E viu descer longo raio de luar,

até formar-se diante dela uma donzela,

que lhe estendeu a mão: "Vem cá, minha bela!

Eu sou a Lua e vim hoje te buscar!...

William Lagos

Tradutor e Poeta

Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com

William Lagos
Enviado por William Lagos em 02/07/2011
Código do texto: T3069932
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.