Milagre em tempos de guerra
Viviam em um escuro porão
Uma menina e seu pequeno irmão
Eram tempos de guerra
Eles buscavam proteção
Dias e noites iam passando
Granadas e bombas
Tudo arrasando
Há três dias não tinham o que comer
Quando era possível
Maria tirava água de um poço
Temendo que pudessem morrer
Tinha cuidado ao caminhar
Voltando ao porão
Encontrava João a chorar
Para aliviar o sofrimento do irmão
Maria brincava com as sombras
João sorria
E juntos, faziam versinhos e poesias
À luz de um lampião
João e Maria, escondidos da guerra,
Viviam no escuro porão
Ao fugirem em busca de um abrigo
Deixaram para trás parentes e amigos
Nada poderiam fazer
Todos estavam a morrer
Fugindo da morte
Procuravam um norte
Tentavam sobreviver
Em suas mochilas
Levaram alguns alimentos
Que durante três semanas
Garantiram o sustento
Vigésimo quarto dia
De seus rostos
Empalidecia a alegria
Quarto dia sem comer
Apenas água suja para beber
Granadas iam rasgando o céu
A fumaça formava um grande véu
O cheiro de morte, de sofrimento
Era o cheiro de sangue das vítimas
Apavora por dentro
Cadáveres lavam de sangue a terra
Os irmãos não sabem o que os espera
João chora, se desespera
Pergunta a Maria quando acabará a guerra
“Não sei”, responde Maria
Tentava acalmá-lo
Chorar não poderia
A água que havia apanhado
Estava a terminar
Vendo os olhos famintos de seu irmão
Como a única esperança, pôs-se a orar
Sentindo a devoção da irmã
João ajoelha-se, une as mãozinhas
Pede: “Papai do céu, vem nos salvar”
Os dois, abraçados, oram juntos
Com amor, ternura
Esperança e doçura
Rogam a Deus que traga a paz ao mundo
Após a oração
O sono alivia a fome
A noite cala as metralhadoras dos homens
Manhã do quinto dia
E agora, o que faria?
Maria estava fraca
João ainda dormia
Levantou-se com grande esforço
Pensava em uma maneira
De chegar ao velho poço
Quando ela estava saindo
João acorda assustado
Pedindo que ela fique ao seu lado
E Maria volta sorrindo
Abraçados,
Prometem um ao outro
Que jamais ficarão separados
A única força que os permitia viver
Era o amor
Que a cada dia
Fazia a esperança renascer
Então, horas mais tarde
Um grito ecoou
Era um grito de vida, não de pavor
Era o grito de liberdade
Que dizia: “ A guerra acabou!”
Maria duvidava
Mas João acreditou
“Acabou a guerra, Papai do céu nos salvou”
Dizia João, que em agradecimento
Orou com as mãozinhas no peito, no coração
“Obrigado pela proteção
Obrigado por ficar conosco”
“Obrigada por nos dar as mãos”
Maria se emociona ao ver seu pequeno irmão
João tinha cinco anos e Maria nove
Apesar da pouca idade
Uma grande coragem os move
Saem do porão com um certo medo
Medo de que seja uma armadilha
Medo de que seja mentira
Medo de algum segredo
“A guerra acabou!”
O grito ficou mais forte
E por todos os cantos ecoou
Era a certeza da vida
A certeza de um novo dia
A certeza de que ninguém mais morreria
A certeza que cada um queria
Ainda muito fracos
João e Maria tentam chegar ao poço
Mas no caminho, desmaiam
Foram encontrados momentos depois
Fracos, abatidos
Foram imediatamente socorridos
Ninguém quis separar os dois
Ao acordarem, estavam limpos
Com novas roupas vestidos
Mas não sabiam o que havia acontecido
Logo apareceram as enfermeiras
Trazendo mingau de aveia
João e Maria, tamanha a fome,
Esqueceram-se de agradecê-las
Passados alguns minutos
Lúcia e Laura voltam ao quarto
E encontram João e Maria abraçados
Os dois choram
A morte dos pais
A morte dos amigos
E daqueles que não veriam mais
No quarto onde estavam
Outros órfãos da guerra
Recebiam cuidados
As irmãs se aproximam
João e Maria agradecem o alimento
Vendo tantas crianças tristes e sozinhas
Lúcia e Laura tentam aliviar o sofrimento
As enfermeiras gostavam de cantar
De contar estórias, criar bonecos
Pintar e brincar
No dia seguinte,
Vestidas de palhaças,
Levaram fantoches, brincadeiras e mágicas
As crianças retribuiam com alegres gargalhadas
Mesmo cansadas
Com tantos pacientes para cuidar
As irmãs nunca deixavam a alegria faltar
João e Maria admirando tamanha dedicação
Como forma de carinho e gratidão
Criaram várias estórias
Dando grande contribuição
Todos se divertem com tanta imaginação
São estórias fascinantes, cheias de vida
Que aquecem o coração
O tempo passou...
João e Maria cresceram com suas estórias
Dentre elas, a mais bela
É “A Grande Vitória”
A vitória sobre a morte
A história de suas próprias vidas
A história que nunca será esquecida
Tal como os pais
Os irmãos tornaram-se escritores
Pintando o mundo com doces poesias
Sublimes sentimentos em suaves cores
A vida é um constante aprender
E apesar de todo e qualquer sofrimento
A vida sempre tem algo bom a oferecer, basta querer
(Escrito em junho de 2000)