O LAGO DOS CISNES DE TCHAIKOWSKY

O LAGO DOS CISNES

(Baseado em Lebedinoie Ozero, libreto de Vladimir Petrovitch Begitchev para o balé de Tchaikowsky, calcado por sua vez no conto Der geraubte Schleier (O lenço roubado) de Johann Karl August Musäus, recontado em versos por William Lagos, 15 AGO 12).

(Dedicado a Sônia Sobreira, que já foi Odette).

O LAGO DOS CISNES I

Havia um reino perdido nos Urais,

sob o governo de uma tzarina,

cujo marido morrera em um combate,

a derrotar seus inimigos naturais,

regente em nome de seu único filho,

o Tzarevitch Siegfried, jovem bravo,

que desfrutava da mais perfeita sina;

entre bailes e caçadas não se abate,

fruto robusto do mais puro sangue eslavo.

Contudo, enquanto o tempo ia passando

e já chegava a sua maioridade,

o jovem príncipe não queria se casar,

pois preferia seguir apenas namorando,

sempre no centro de uma roda de donzelas,

o que causava à sua mãe preocupação,

porque apesar de ter ainda tenra idade,

seu próprio herdeiro teria de gerar,

em garantia do futuro da nação...

E o Conselho de Ministros insistia

que Siegfried só seria coroado,

após ter garantido esse futuro,

pois em combate talvez pereceria,

como morrera seu corajoso pai

e a Tzarina, afinal, era estrangeira

e seu governo não seria perpetuado,

sem ter um neto de sangue ainda mais puro,

a conduzir a dinastia em sua esteira.

Deste modo, para o seu aniversário,

quando o príncipe completaria dezoito anos,

a Tzarina apresentou-lhe um ultimato:

que encerrasse seu festejar diário

e escolhesse sua noiva, finalmente,

para dar continuidade à dinastia,

que para o reino já dera soberanos,

durante séculos de constante acato,

e garantir que sua estirpe seguiria...

O LAGO DOS CISNES II

E como o príncipe se ainda rebelasse,

a mãe lhe disse, na maior severidade:

“Eu lhe dou a oportunidade de escolher;

tinha direito a determinar com quem casasse;

mas para isso vou organizar um baile

de sete dias para as donzelas mais formosas,

de alta linhagem e hereditariedade:

veja entre elas quem melhor lhe parecer,

porém escolha qualquer uma dessas rosas!”

Mesmo com a ideia de tais festividades,

Siegfried não se dispunha a escolher:

cada donzela tinha algum defeito

e embora tendo verdadeiras qualidades,

nenhuma tocava no seu coração...

E ele ficou sozinho e acabrunhado:

de algum modo, conseguira conhecer

um belo rosto que entrevira no seu leito,

seus lindos traços só em sonhos contemplados.

E melancólico em seus pensamentos,

de Siegfried o olhar foi atraído

por um bando de cisnes a voar,

que então pousaram, impelidos pelos ventos,

sobre o rio a correr junto ao castelo.

Siegfried vê o nadar da revoada

e pelas asas brancas seduzido,

sente um impulso para acompanhar

o garboso bando que em suas águas nada!

(Na verdade, nutria até má intenção,

pois pretendia era comer um cisne assado;

a seu ver as belas aves são só caça...)

e empós o intuito de seu coração,

voltou ao castelo, à procura da balestra.

Quando saiu, já quase no sol posto,

o bando estava na floresta já embrenhado;

mesmo no escuro, sua mira não fracassa;

seguiu o bando, para satisfazer seu gosto.

O LAGO DOS CISNES III

Mas o revoada já levara boa dianteira

e o príncipe nem lembrara seu cavalo

e assim se pôs a correr junto da margem,

pela floresta espessa e altaneira;

mas está armado e conhece sua região,

só que as aves tomam rumo inesperado

por um braço do rio, estreito valo,

que o conduz assim a uma paragem

pela qual antes jamais havia passado...

E a floresta então se abriu para um lago,

à sombra de um castelo abandonado,

de que Siegfried nunca ouvira falar...

atrás do bosque do Sol resta um afago,

mas nem por isso ele sente algum temor:

coloca um dardo na balestra e segue em frente;

vê manchas brancas no escuro já fechado

e os belos cisnes se puseram a dançar

junto da margem do lago indiferente...

O príncipe contemplou-os, desconfiado,

pois jamais antes vira cisnes a dançar,

formando um círculo, igual ao que se espera,

trocando pares, em passo cadenciado...

E então, no centro, uma fêmea vê solar,

mas ele afasta de si o pressentimento

e nela mira, já a ponto de a alvejar;

mas, de repente, sua expressão se altera,

ao perceber o mais estranho movimento!...

E perante o seu olhar maravilhado,

ela se vira na mais bela donzela

e se transformam os cisnes, um a um:

damas e pajens de libré dourado!...

Pôs o príncipe de lado sua balestra

e aproximou-se, sem se poder conter;

ganhou um aceno da donzela bela...

Com ela dançou, sem achar ser incomum

que cisnes possam pessoas também ser!

O LAGO DOS CISNES IV

E quando sobre as árvores raiou a Lua,

teve a maior surpresa de sua vida,

ao contemplar aquele rosto que sonhara

seu corpo esguio, igual adaga nua!

E dançaram até chegar-lhes o cansaço

para depois se assentarem a conversar,

enquanto os pajens e damas dessa lida

desapareceram, aos pares, na almenara:

surgiram tochas, qual banquete a preparar!

Disse-lhe a jovem que um antigo encantamento

do mago Von Rothbart a transformara,

com seus amigos, nessas brancas aves

e só de noite se aliviava o seu lamento!...

Seu nome Odette e era a herdeira do castelo,

que agora se renovava, em esplendor...

E Siegfried se quedou a imaginar

há quantos anos essas vazias caves

abandonadas estão no seu negror...

Disse-lhe Odette que esse tal feitiço

só poderia ser quebrado quando alguém

lhe demonstrasse amor desinteressado,

pois tudo então recobraria seu viço,

sua vida retomando onde parara...

Siegfried certeza tem de que encontrou

a jovem que em seus sonhos forma tem;

dela sentindo-se totalmente enamorado;

e eternamente fiel se declarou!...

Disse-lhe Odette corresponder a seu amor:

que o visitara também, durante os sonhos,

imaginando que esse príncipe valente,

de andar altivo e de porte sedutor,

cujas feições a recordavam de seu noivo,

fosse ele mesmo, retornado para ela...

Mas surgiu Von Rothbart, olhos medonhos,

lançando ao jovem o olhar mais inclemente:

“Traiu minha filha pelo amor dessa donzela!”

O LAGO DOS CISNES V

“Lançou-se Odile no lago, em sua tristeza!”

Fora a princesa a causa de sua morte,

mas era o príncipe igualmente responsável!

E respondeu-lhe Siegfried, com nobreza:

“Não sei quem foi sua filha, mas é Odette

que avisto nos meus sonhos, a cada noite;

já lhe jurei enlaçar à dela minha sorte:

quebrei o poder de seu feitiço imponderável!”

“Não é tão fácil assim quebrar-lhe o açoite!”

“À minha Odile você fez juras de amor

e por Odette o juramento quebrantou;

pois lhe demonstre, então, fidelidade,

por sete dias, sem outro desfavor:

só então se desfará o encantamento...

Mas caso venha a mostrar ser infiel,

agora que de novo a deparou,

causar-lhe-á bem maior fatalidade,

pois morrerá, sem refúgio, nem quartel!”

Jurou o príncipe total fidelidade

a essa amada que reencontrara agora...

Von Rothbart riu-se apenas, escarninho:

“Uma semana é curto prazo, não é verdade?

Só então retorne a Lebedinóie Ózero;

e se fiel tiver sido, realmente,

quebrar-se-á o encantamento nessa hora...

Caso contrário, morre cada cisnezinho,

acometidos de velhice na sua frente!...”

“Agora parta, que já surge a aurora!...”

Siegfried repetiu seu juramento

e despediu-se de sua amada Odette,

que nela pensaria, de hora em hora

e não teria olhar a outra mulher...

“Não peço tanto,” riu-se Rothbart,

“Olhar se pode... Porém o encantamento

só quebrarei caso até o dia sete

se mantiver fiel em pensamento ou arte!...”

O LAGO DOS CISNES VI

Surgiu o Sol. Odette reverteu-se

em cisne branco e ao lago se lançou.

Pajens e damas em cisnes se tornaram...

Que fora um sonho, quase convenceu-se

Siegfried, vendo as ruínas do castelo...

Mas a seu lado estava Von Rothbart,

que sua promessa novamente recordou

e logo os dois também se separaram,

seguindo cada um para sua parte...

Pegou o príncipe a balestra e seu carcás

e lentamente caminhou a seu castelo;

sua mãe desfeita em lágrimas e pranto,

a protestar: “Mas o que você me faz?...

Quase matou-me de preocupação!...”

Mas Siegfried aliviou-lhe o seu cuidado:

“Não precisa desgastar-se em seu desvelo;

só fui caçar, vasculhei cada recanto,

nada encontrei e agora estou muito cansado...”

“Porém me diga, mãe, a quem pertence

um castelo, com aspecto arruinado,

que encontrei no meio da floresta?...”

A Tzarina, porém, não se convence:

“Não há castelos por cem verstas ao redor;

em algum lugar, deves ter adormecido...”

“Segui as águas do rio para esse lado

e vi um lago com cisnes, numa festa...

E lá se achava esse castelo derruído...”

E como o filho insistisse nessa história,

a Tzarina seu mordomo convocou,

para que os servos do castelo interrogasse

sobre algum reino já perdido na memória.

E finalmente, uma velha lavadeira

apresentou-se, dizendo ter ouvido

uma lenda que sua avó um dia contou:

que na floresta nunca se embrenhasse,

tragédia horrível ali havia ocorrido!...

O LAGO DOS CISNES VII

“Ali se erguia um castelo enfeitiçado,

que ninguém divisava durante o dia!...

Era a morada de um velho feiticeiro

e só de noite aparecia, iluminado...

Narrava a lenda que tinha uma só filha,

que por um príncipe fora abandonada

e se lançara num lago, em desvalia...

Porém seu pai a retirara, bem ligeiro

e a havia em cisne negro transformado!...”

“Um cisne branco eu vi,” disse o rapaz.

“Pois teve sorte, meu belo senhor...

Lebédia, a feiticeira, sai à noite,

seduz os jovens e para o lago os traz.

Lebedinóie Ózero, assim se chama,

pelo nome da moça, esse lago amaldiçoado;

transforma as vítimas, transidas de pavor,

em anões negros, que conserva sob açoite,

e os mantém todos presos de seu lado...”

“E o cisne branco?” o príncipe insistiu.

“Ora, desse eu não sei, amo querido;

Só sei do cisne negro e perigoso

e o feiticeiro muita gente diz que viu...

Mas talvez fosse só para assustar...

Minha avó não queria que as crianças

fossem no mato, podiam até ter-se perdido.

Dizem que o rio, que é hoje tão formoso,

levava a uma região sem esperanças...”

Pela história a Tzarina agradeceu

e a lavadeira para o trabalho dispensou.

“Meu filho, está com jeito de cansado,

quando foi a última vez que algo comeu?”

E Siegfried tomou lauta refeição

e foi deitar-se, sem de fato revelar

que pelo cisne seu coração se apaixonou

e a quem em sonhos havia escaninhado,

passando o dia inteiro a cochilar.

O LAGO DOS CISNES VIII

Porém foi despertado ao entardecer

para banhar-se e para o baile se vestir.

Embora não quisesse, ele atendeu

Na obrigação de uma noiva a escolher...

Dançou com as damas, sem se interessar

e a Tzarina então com ele instou:

“Meu filho, você precisa decidir...”

“Eu já lhe disse o que me aconteceu:

escolho o cisne que em mulher se transformou.”

“Ora, meu filho, isso não passa de ilusão,

foi um fantasma que entreviu num sonho...

O cisne negro é só uma lenda do irreal...”

“Senhora mãe, eu prometi meu coração

é ao cisne branco, minha princesa Odette.”

“Meu filho, você mesmo ouviu a história:

nela só existe um cisne negro e bem medonho,

que os jovens busca para fazer-lhes mal...

Nem foi princesa, era apenas uma escória!...”

Mas por nenhuma donzela decidiu-se

o jovem príncipe, até chegar o último dia

e a Tzarina lhe falou mais duramente:

“Dos sete dias o prazo hoje cumpriu-se:

você hoje decidirá a sua consorte,

caso contrário, a determino eu!...”

E embora o príncipe dançasse, não queria

nenhuma delas, pois pensava unicamente,

naquela jovem que amor lhe concedeu...

Mas quando o baile já chegava ao fim

e pareceu-lhe soar a hora fatal,

Von Rothbart apresentou-se no salão,

trazendo jovem de ombros de marfim...

Era sua filha Odile, o cisne negro,

que enfeitiçara na pura semelhança

da bela Odette, seu amor e seu fanal,

única dona de seu coração,

a quem forçara a sete dias de esquivança.

O LAGO DOS CISNES IX

E Rothbart lançou novo encantamento

para cegar de Siegfried o olhar,

pois em Odile foi Odette que enxergou

e confessou-lhe seu arrebatamento,

dizendo à mãe que sua esposa ela seria...

E deste modo, quebrantou seu juramento!

Von Rothbart sumiu em pleno ar,

Odile em cisne negro se mudou,

partindo os dois dali nesse momento!...

E Siegfried percebeu, desesperado,

que seu voto de amor fora partido!...

E que Odette e seus amigos morreriam!

E disparou a correr, desabalado,

até o Lago dos Cisnes, na floresta.

O feiticeiro já anunciara a sua traição,

chorava Odette seu amor desiludido,

enquanto a morte seus companheiros viam,

depois de tantos anos de ilusão...

E muito embora intentassem transformar-se

e assim voar para local distante,

não conseguiam deixar a forma humana

e assim no lago deveriam afogar-se!...

Alguns tentaram correr para a floresta,

mas das águas surgiram os anões,

a puxá-los para a morte, nesse instante

e a próprio Odile por Odette clama,

sem permitir-lhe mais transformações...

Mas nesse instante Siegfried aproximou-se

e a farândola foi interrompida...

Seu voto não quebrara, pois julgara

que fosse Odette, quando declarou-se...

E foi tão forte o poder de sua paixão

que Odile para o lago mergulhou:

sua tropa de anões fora vencida

e o encanto dessa forma quebrantara...

Von Rothbart, porém, não se entregou!

O LAGO DOS CISNES X

Odette e Siegfried renovaram o juramento

e Rothbart invocou uma tempestade;

fugiram os cisnes para o arvoredo,

temendo a fúria desse punimento!...

Os amantes permaneceram lado a lado,

sem se dobrar aos relâmpagos ou a vento

e vendo assim derrotada a sua maldade,

que todo amor sincero vence o medo,

Rothbart à força quis impor o seu intento!

Em cisne negro se transmutou também,

com Siegfried estão pôs-se a lutar,

mas o rapaz demonstrou ser o mais forte:

perdera Rothbart o poder que lhe advém

da feitiçaria e de todos os seus bruxedos:

partiu-se-lhe uma asa, com um estalo!

E ao ver que Siegfried o iria derrotar,

agarrou-o com a força de sua morte,

lançando os dois no lago, num abalo!...

Nas águas negras sumiram todos dois;

ficou Odette sozinha sobre a margem,

nessa esperança que vai contra a esperança:

à superfície não viu nada vir depois...

Em vão os amigos intentaram consolá-la...

Ela sua forma humana abandonou:

qual cisne branco lançou-se na voragem

de feroz dança até que a morte a alcança

e a pouco e pouco sua dança se acalmou...

Pajens e damas em cisnes se tornaram,

desesperados já de a consolar

e se puseram a nadar por sobre o lago

e para o rio lentamente se afastaram...

Porém das águas do lago subiu um cisne,

portando uma coroa na cabeça...

Da morta Odette se veio aproximar

e com o bico a beija, num afago:

mesmo na morte o vero amor não cessa...

EPÍLOGO

E de repente, as penas estremeceram;

o grande cisne continuava a acariciá-la...

Odette abriu seus olhos de avezinha,

seus membros frios pouco a pouco se aqueceram,

enquanto Siegfried ainda a alentava...

Depois, ergueu-se numa dança lenta,

o cisne macho cuidadoso a acompanhá-la,

porém a aurora depressa se avizinha

e fez-se a dança cada vez mais violenta...

Até que os dois se ergueram a voar

e mansamente subiram às alturas,

desaparecendo contra o azul do céu...

Os outros cisnes os vão acompanhar.

Vão Odile e Rothbart até o castelo,

retomam forma humana os seus anões

e o palácio desmanchou-se em pedras duras,

cobrindo ambos com seu pétreo véu,

a desabar no lago, aos borbotões...