A FACULDADE DO BEIJO
A FACULDADE DO BEIJO
Josa Jásper
Da minha infância, lembro a vila ensolarada,
o pôr-do-sol... e toda esposa, ornamentada,
que recebia o esposo fora do portão...
Da grande pedra, bem na entrada, eu me entretinha,
analisando as honras que o marido tinha
e, a cada beijo, eu redobrei minha atenção.
A pedra grande foi, portanto, a Faculdade,
onde aprendi que havia enorme variedade
de perfazer um simples toque benfazejo!
E a minha mente, pura, ingênua e sem maldade,
imaginava, a cada beijo, na verdade,
como seria, enfim, o meu primeiro beijo!
A Magali beijava leve como a bisa
que tremulava sobre o pano da camisa
do seu marido, o professor Celso Marinho.
Era um "beijinho"... Nem um beijo talvez fosse,
mas parecia-me tão cálido e tão doce
como o prenúncio de uma noite de carinho.
A Terezinha dava sempre uma "beijoca",
com certo estalo, como milho de pipoca,
que impressionava pelo estrépido e estalido:
era o eclodir de um sentimento que se expande,
de uma paixão que começou na pedra grande
para explodir sobre os bigodes do marido!
A Wanderléia tinha um beijo sufocante:
o seu marido pareceu-me sempre arfante,
ao saciar-se nesse beijo prolongado...
Era sensual, sensacional, coisa bem séria,
essa mistura de saliva e de bactéria!
Nova na vila: se casou no mês passado...
Da pedra eu vi Dona Janice, mais idosa,
com seu vestido colorido, toda prosa,
lançar seu peso sobre o esquálido Amorim.
Num de seus beijos, viu-me olhando e entrei na festa,
quando entregou-me um superbeijo sobre a testa,
que, mais que um beijo, achei que foi lição pra mim!
E que dizer do multibeijo periférico
dos rubros lábios da mulher do seu Américo
que a boca circundava, qual metralha louca?!
Com tal seqüência, o seu marido, meio idoso,
por mais veloz que perseguisse o esquivo gozo,
quem sabe nunca saciasse a própria boca?
Não me recordo bem dos beijos da Lucinda...
Baixava o rosto - disso apenas lembro ainda -
beijando o esposo constrangida e envergonhada.
Nunca o beijava, caso visse alguém por perto
e, mesmo assim, eu nunca estive muito certo
se dava um beijo ou carinhosa cabeçada...
Os lábios grossos e macios da Adriana,
mais deslizantes do que cascas de banana,
tomavam formas engraçadas de lembrar:
formas pontudas, circulares ou elípticas,
que, no esfregaço irreverente, alheio às críticas,
vinham me expor um novo modo de beijar.
E ainda havia o beijo nobre e respeitoso,
sempre atrasado, da mulher do seu Cardoso,
que apressa os filhos pra beijá-lo, em seu lugar.
Eu a idolatro. É reservada como um monge!
Em vindo o pai da criançada ainda longe,
ela a incentiva pra correr e o abraçar!...
E, posto o sol, deixando a vila quase escura,
meu pai chegava e, da penumbra, a certa altura,
gesticulava acenos turvos para mim.
Eu, pressuroso, lá da pedra despencava.
Nenhum dos beijos, depois disso, interessava:
a Faculdade, uma vez mais, chegava ao fim!
E os beijos santos, que mamãe distribuia,
se misturavam ao suor que o "pai" trazia,
em cena ímpar, pois jamais vão repeti-la:
E, beijo a beijo, desde a pedra até o portão,
ela ensinava esse seu bejo, à prestação,
e foi a mais brilhante mestra lá da vila!