RECANTO POÉTICO
Um lenço esquecido no meio do livro,
um perfume adocicado, floral
remetem a um tempo nostálgico.
Camafeus, broches, colares, segredos
na caixa acolchoada de cetim.
O veludo bordô ao redor,
as rendas, as presilhas, os anéis,
cuidadosamente agrupados dentro.
A camélia branca incorpora o salão.
Ao lado, na escrivaninha, apontamentos
de uma escritora deslembrada, estilo fortuito.
Os alfinetes de pérola rosa descansam
- vestígio de maturidade, muito uso, ou descaso.
A caneta tinteiro perdeu seu vigor,
ficou engavetada por longos períodos,
a tinta ressecou, a pena se vergou.
Um candelabro poeirento simula existir.
As velas já não aparecem por ali.
A lâmpada azulada insinua as cores
sobre uma cortina rota e desfiada.
A escritora na velha cadeira de palha
surpreende seu livro na prateleira,
tranquiliza uma nova caneta na mão
e descreve meticulosamente a paisagem de fora.
São Paulo, 6 de maio de 2009.