Chuva pertinaz

Prólogo:

Chuva é um fenômeno meteorológico que consiste na precipitação de água no estado líquido sobre a superfície da Terra. A chuva forma-se nas nuvens. Nem todas as chuvas atingem o solo, algumas evaporam-se enquanto estão ainda a cair, num fenômeno que recebe o nome de virga e acontece principalmente em períodos/locais de ar seco.

Se demasiada causa estragos, prejuízos, desgostos, aflições, desenganos; provoca atrasos essa chuva teimosa e irreverente. Não respeita as riquezas humanas ou as necessidades materiais mesquinhas.

É minha essa chuva de prata que comigo se solidariza na cumplicidade dos meus anseios. Ela guarda meus segredos. Abafa os gemidos de minha amada quando em nossa cama ou noutro local invadimos os espaços comuns de nossos corpos em delírios de fogo ascendente.

Oh! Chuva pertinaz e sublime manifestação da natureza em festa. És tu a cândida chuva sobre as lavouras ressequidas de meu tórrido sertão nordestino. Campina Grande sofre com o excesso de tua grandeza sublime, mas a poetiza Vilma Duarte escreveu sobre tua benfazeja aparição no texto bem urdido intitulado “A primeira chuva”, do modo como se segue, enaltecendo a desejada sobranceira paz:

“A Chuva me fascina. Miudinha, brava, despejando nuvens em pranto, coriscando o céu com relâmpagos, ela faz e acontece com minhas reservas emocionais. Chuva é como perdão, lava a alma do mundo e das suas criaturas. Ela canta! Melodias de embalar o sono, depois da canseira do dia-a-dia.

Aconselha! Molha a coragem dormida para acordar a luta por um amanhã bem melhor. Reza! Junta braços e mãos da natureza em prece, e benze os pecados do mundo. Faz milagre! Apaga focos de incêndio na terra e no coração. É mãe! Prenha o solo fecundo que pare folhas, frutos e primavera. Limpa! Riachando seus caminhos, lava montanhas, beirais, ruas, rodovias e tira o pó de sentires descuidados. É mística!

Ressuscita folhas ressequidas com verde novo, e asperge a primavera. É artista! Modela novas formas, muda cores de lugar, assovia com o vento e pinta o arco-íris no céu, quando se despede inspirada. Nas chuvas de verdade, quero andar descalça nas enxurradas e brincar de meninice, ensopada por fora e por dentro.

Hei de abrir os braços, os olhos, e senti-la escorrendo cabeça abaixo, sacramentando meu batismo de poeta, nas águas vindas do céu. Encharcarei meus pensamentos no jorro abençoado, capaz de fecundá-los em paz. “Estenderei “minhas mãos para que sejam ungidas, a fim de escrever a boa-nova”“. ”Banharei minhas palavras nas suas águas santas e elas desabrocharão esperança...”.

Igual ao tio Henrique, poeta das ilusões, sou um visionário que sabe aproveitar o improvável e/ou inaproveitável. Sempre apreciei o trabalho de meu papai Muniz. No trabalho dele havia brilho, dedicação, paixão e poesia.

O lusco-fusco de gorgulho encantava a todos. Meu papai espalhava esse encanto no terreiro, como se fossem grãos de café que no momento se confundia com o reluzir do aguaceiro que caia.

Do grande alpendre ventilado meu pai se aconchegava com minha mamãe Júlia e ficavam olhando a hora do crepúsculo dos deuses que depois viria após a chuva a cântaros e teimosa. Nunca os vi se beijando, mas também nunca os vi se agredindo mesmo nos momentos mais difíceis da longa convivência a dois.

Quando eles se abraçavam a noite ficava quieta e a espontaneidade fluia. Na cozinha o cheiro de café fresco e do cuscuz mesclado com manteiga líquida impregnavam a magia do momento enquanto a fraca luminosidade da lamparina resplandecia tremeluzente a sala de jantar.

E meu pai, com gáudio no rosto, fazia minha mãe se sentir rainha. Ora, se minha mãe era uma rainha eu era um príncipe sonhando com minha puberdade explodindo sob os embalos energizante da chuva pertinaz.