Ao redor da última fogueira

Noite fria de julho... anos atrás...

movimentos dos meninos moços em busca de madeira...

Irmãs atrasadas costurando a bandeira a alçar o mastro...

Barulho do córrego ao fundo, cães a ladrar,

eu a voltear com a matriarca pelo quintal...

O pai, como sempre, sossegado a campear o reduzido gado...

Mal sabia eu ser a última,

derradeira festa na roça com minha mãe e aquele irmão,

justo ele que comandava os trabalhos, mais animado do que nunca,

mais empolgado que eu, mentora do festejo, ele a alegria...

Ele que acreditava na vida,

alimentava a incessante animação por posterior tempo melhor...

Decorrer do dia, construção daquele monumento gigantesco,

fogueira artesanal, no meio do terreiro, perto do mastro deitado,

por ele arquitetada, pelos meninos moços construída...

Eu de mãos dadas com minha senhora já tão frágil e meu pequeno...

Foi chegando a noitinha...

Risos animados das então crianças,

danças caipiras com os adolescentes,

mastro no lugar...

Bebidas e comidas à vontade, como sempre,

alguns jogando truco, mineiros que são...

O frio batia nas faces sôfregas no auge do inverno...

Eis que acesa a fogueira de São João, coisa linda!

Aquelas chamas quentes no contraste do vento gelado,

todos ali, erguendo o mastro um dos moços o passou pelas labaredas,

queimaram-se os santos juninos, riso geral...

Pena ter sido aquele o último evento completo da vida,

sem o vazio que ainda soterra os corações restantes,

enorme família ao redor de peculiar amor sangüíneo, todos ali...

Isso foi há tanto tempo... entretanto a imagem não me solta...

Todos os anos, cair da tarde, início do inverno,

o cheiro da seca no planalto,

a lembrança me assola...

Sinto aquele cheiro de mato gelado e queimado,

o calor da fogueira,

a alegria incorporada em cada um, cada qual do seu jeito,

minha já fragilizada mãe, o sorriso de meu querido irmão...

A presença deles no bucólico ambiente que ainda hoje visito...

Meu pai, sereno até hoje, nunca mais permitiu tal festança...

O forte frio na roça, a madeira seca, a fogueira,

só nos sonhos que me sobrevieram e insistentemente sobrevêm...

O laranja daquele fogo, a quentura da vida,

dois entes que, doentes, tiveram que se despedir do débil corpo e me deixar,

a saudade que queima o peito, principalmente no inverno,

quando caem as primeiras folhas das mangueiras

junto às lágrimas que me afloram,

quando ouço ainda o murmúrio daquele movimentado dia...

Este meu coração inda arrodeia aquela fogueira como se fosse agora,

última fogueira de São João que nos reuniu a todos,

inexorável e inesquecível...

o passado que insiste e me comove...

a vida que, como aquele mastro queimado, ficou sem um pedaço.

Nalva
Enviado por Nalva em 20/06/2006
Código do texto: T179205
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