Jogo o teu Jogo ( e outros poemas)

Jogo o teu Jogo

( e outros poemas)

Escrito por

Jacques Levin

Nota do Autor.

Este volume inclui poemas feitos no período 1970-1976, publicados em edição mimeografada sob o pseudônimo de Joel Dantas; 100 exemplares que foram distribuídos em mãos, como era costume naqueles tempos. Naquela ocasião foi acrescida ao título a expressão “e outros poemas da pré-consciência”, que era uma forma de nutrir a esperança de que uma certa forma de consciência “correta” acabaria por ser atingida. Agora, retiro a expressão, certo de que se há alguma correção na consciência não é o indivíduo que a atinge. Ela é que atinge os indivíduos. Ou o que é melhor, ambos ocorrem simultaneamente, em algum ponto. Continuo esperando. E talvez não exista nada mais a esperar. Ademais, consciência é consciência, e, excluída a loucura franca, não há motivos para julga-la certa, ou errada, qualquer que seja ela. Mantive o texto quase que integralmente, retirando apenas um nome próprio; por não saber onde se encontra a pessoa, não tenho a menor possibilidade de obter a necessária autorização para cita-la.

Apesar de alguns versos me desagradarem e até mesmo me fazerem corar de vergonha, outros continuam atraentes. Mantenho-os, a todos, para efeito de registro, conformado com a idéia de carregar as minhas eventuais vergonhas pela vida afora como parte integrante do meu ser histórico e a que estou impedido de renunciar por dever de ética puramente humana, junto com os versos felizes que a sorte fez chegar a mim, e que tanto me envaidecem, e isto também é uma vergonha. A vaidade e a futilidade literária. Enfim, é válido como registro de uma época. A única alteração aceitável é dar título aos que não o possuíam, segundo a regra: usar a primeira linha como título.

JL, novembro de 2001.

SUMÁRIO.

O pó que se acumula......5

Divagar, divagar.............6

Um vaso vazio..................7

Um acorde na noite...........8

Noite e brumas.................9

Janeiro negro...................10

Positivo, negativo................11

Os destroços.............13

Disparate em desenvolvimento.......14

Deixemos crescer...........15

O cão passeando o homem........17

Assim...........18

Ergomania.........19.

Sounder...........20

Matéria-prima........21

No canto do mundo........22

No Circo Moderno............23

Leia e destrua............25

Modinha............26

Jogo o teu jogo.........27

15 horas-Posto 6...........28

Calmaria............29

Este é o dobrado..........30

Viet song............31

A guerra portátil...........32

Rosa................33

Quinta-feira........34

Dormir...?...........35

Classe de luta..........36

Podes cometer qualquer crime..............37

Os muitos cheiros.............38

A Torquato Neto...........39

Destruamos o tigre..........41.

Esta é a terra.......42

Homem, homens...........44

O PÓ QUE SE ACUMULA.

O pó que se acumula

Nas dobras do uniforme do general

E nas rugas da cara do gerente geral

Qualquer pó de arroz pode dar jeito

Os arados nas pedras da terra

qualquer assovio põe a andar

Os números e os mágicos se entendem

As ordens se distribuem com precisão...

E daí?...

Um tapa por sobre as pontes

Dos nossos corações ao vento...

A dor nas casas dos

Fantasmas em pânico...

Fácil fazer piadas nesses casos

Ou subir os montes dos

Sonhos “pra viagem”

Se você não está chorando

Ou se matando consigo mesmo

Certamente está

Construindo a existência do medo

E tremendo sem sentir

A humilhação diária

De tocar pra frente

Pra que.

DIVAGAR, DIVAGAR.

Divagar, divagar.

Os móbiles e automóveis

Perscrutando o futuro e o passado

Em torno das excitações

O êxito certo

Os plenos poderes

(quando querer não é poder,

brigar não é lutar

sofrer não é viver)

Daqueles que sobrenadam

Agitando perninhas dos quadros de Bosch.

O tempo futuro e o tempo passado

Estão inelutavelmente ligados

A você

Ligados e distorcidos

Pela tua fome

Lembrados e feitos

Pelo teu suor

Interligados e fatais

Pela tua vontade de viver

Olha, escuta...

...não, não escuta...

segue.

UM VASO VAZIO.

Um vaso

Vazio

Um recipiente

Cheio de emoções inúteis

Feito de plástico, naturalmente

Vocês verão

Na televisão

Os corações

Que por aí vão

Quebrando a cara

(coisa pouca,

sem importância)

Na ânsia doida

De ver do outro lado

Da cerca

Aonde dói me-

Nos se-

guir vi-

vendo.

UM ACORDE NA NOITE.

Um acorde na noite

Não é senão máquina mata-mosquito

Há uma nuvem à Figueroa

Por trás do edifício indefinível.

Assopre esse condor

Faça-o voar nos céus

Para lá

Espante essa dor

Faça-a pairar sobre a cidade

Baixar lentamente

E se dissolver.

NOITE E BRUMAS.

É preciso

Escrever alguma coisa

Para salvar esta noite

Em que me assisto adormecer

É preciso fazer um poema

dos mais concretos

dos mais processos

dos mais abjetos

Para que esta noite

Possa se instalar

Com calma.

JANEIRO NEGRO.

Vamos espoucar os fogos

E os artifícios

Dizendo: tudo bem!

Na paz dos corpos

Cansados do amor mecânico

Algumas moscas passeiam

Despreocupadas

Esbarrando em poças de suor.

Eu e tu, tu e eu

Demos nossos pulinhos

De macacos de pelúcia movidos a pilha

Efetuamos nossas contorções

Controladamente

Deixamos a corrente elétrica

Desfazer as ilusões

(ora, todo um ano a suportar)

POSITIVO, NEGATIVO.

Positivo

Negativo

Se interagem

Na máscara

De dor

E assim

Caminhamos

Vendo o

Trigo nascer

Na beira da estrada

E imaginando

Bocas de

bordas

engorduradas

sorver

os fatos

da nossa

máscara

de dor.

Domingo

Um moinho

que se move

por milagre

mas inutilmente

é a lembrança

duma civilização

Jogamos

para o alto

as ilusões

O pó se acumula

nos pátios

dos edifícios

e nos poços dos elevadores

Cadáveres

vestidos de azul-marinho

contém o

grito de alarme

Os cães farejam

o que comer

sobre as mesas

absorvem os

restos dos jantares

Os navios

cruzam os mares

especificamente

para vasculhar

tesouros perdidos

(como perdida está a vida)

Quando o sol aparece

(como por milagre)

encaramos o horizonte

É a hora

de molhar o

corpo no oceano

e sentir os ossos

vibrando de remorsos

(e o tédio estalando junto aos ouvidos).

OS DESTROÇOS.

Os destroços

Os ossos

E os despojos

Da batalha

Lá aonde

Agora cresce o capim

E as cobras sorrateiras

Passeiam

Dentro de crânios nus

A metralha uma vez

Crepitou

E não resolveu um só problema

Os destroços

Os ossos

E os despojos de batalha

Um monte de trastes

Sem serventia, só.

DISPARATE EM DESENVOLVIMENTO.

Quando do Brasil partirem as caravanas

Em direção às verdes terras de outros mundos

Ah Deus!

Que não existam outros mundos

Que não existam caravanas.

Quando do Brasil

Missões partirem

Em missões de intercâmbio

De monstros mecânicos

Ou de outros monstros

Sejam esses monstros não vivos

(seremos um país de monstros?)

simples rochas, simples lenhos,

simplesmente úteis, simplesmente inanimados,

sem sangue, sem vida, sem dor,

simples barras de tração, se alimentação simples.

Em troca outros monstros

De igual quilate

(Que disparate!)

DEIXEMOS CRESCER.

Deixemos crescer

Em torno dos nossos corpos unidos

A vegetação dourada

Fruto de um trabalho persistente.

Sim, amor, deixemos

Que nos envolva o trigo

Num abraço de séculos

Alimentando-nos de nossas simples vidas

Na rotina de um amor diário

Certos de que aqui embaixo

A três metros de profundidade

Jazem os cadáveres da batalha

Que houve, está havendo e haverá.

Deixemos que cresçam as ervas daninhas

E que as abelhas passem e perpassem

Zumbindo em nossos ouvidos que não ouvem.

Deixemos que nos contemplem

Os animais selvagens de todas as espécies

Deixemos que copulem ao nosso lado

E que o passar do tempo

Acrescente ao solo

Novos corpos da batalha

Unidos e fundidos num único bloco

Finalmente recobertos de asfalto.

Mas depois, muito depois,

Uns visitantes extra-galáxicos,

Num intervalo do seu caminho cósmico

Após escavações metódicas

Estudando um maxilar do que eu fui

E um fêmur do que tu foste

Concluirão pela vida aqui.

O CÃO PASSEANDO O HOMEM.

O cão passeando o homem

Ou o homem passeando o cão?

(De noite

entre os edifícios, a construção

e blocos de ônibus fumarentos

no exercício diário

da exasperação).

ASSIM.

Assim

Assim

Simulando a vida

No edifício

Repleto de roupas usadas

Um homem enlouquece

E num segundo

Não pode mais

Respirar

O ar con-

dicionado

Desapertam-lhe

A gravata

Dão-lhe suco

Artificial de laranja

E julgando chegado

O momento

Uma senhora

Chama o zelador

Que providencia

Quatro velas acesas

E uma via livre

Para o térreo.

Mas o homem

Reclama a sua pasta

O homem reclama a sua pasta

O homem reclama a sua pasta.

ERGOMANIA – (Horse Feathers), aos irmãos Marx.

Fantasmas

Nenhuma carta recebida

E pras festas eu quero

A dor de fígado habitual

O mundo pode se arrebentar

Numa Nova Iorque inabitável

Um judeu nas alturas

Passa o tempo a escrever fox-trotes

E sorrir pequeno

Raio de calor de 31!

Você pode gargalhar little-jokes

Que não vai conseguir apagar

O olhar triste do Harpo na harpa

Vá levando um trejeito

Que é quase um grito de dor

Quando chegar a hora

De falar...

Cacêta....!

O mundo já foi pras picas

E onde pisarem os cavalos

A mata não crescerá

(um cimento de duas

polegadas já cobrirá o gramado).

SOUNDER – (Louisiana 1933)

Os diamantes

Continuam cortando

Os vidros

Das vitrines

(os alarmas ainda estão tocando)

Os dramas

Ainda estão por aí

Agindo

Os dias

Ainda estão

Passando

(Avance

três casas

sem olhar pra trás)

MATÉRIA-PRIMA.

Hei pedra

Me conta a tua história

Não vale nada

Se jogar no canto

E maldizer a luta

E castigar as cordas do violão

(em vão)

hei pedra, a remissão

a Drummond

foi sem querer

no duro mesmo

o negócio é com você

hei, pedra

me conta o caso

dos mil pés

que te enxergaram

intimamente

do sangue que te sujou a cor

da força que te transportou

da casa que enfim desabou

ei pedra

pedra

me conta o drama

que quiser contar

(só não vale é falar de amor)

NO CANTO DO MUNDO.

No canto do mundo

Inchado de mercadorias que apodrecem

O ar está cheio de canções antigas

Duma língua estranha

Que passa entre as pessoas

Que continuam a andar

Pros seus mil destinos bobos.

Nas fábricas

Cascas de ferida na crosta do mundo

As pessoas apontam o nariz pro ar

E continuam esperando

A chuva que não precisam

A lua que não vão olhar

A história que se dane

Quando te mostrarem

Uma linha reta

Passando pelos confins

De Berkeley,

Pela minha

Cabeça, por São João de Meriti;

Pelo apartamento no posto 3 onde se vê t.v.

E continuando pelos jardins do parque público

De Hanói.

NO CIRCO MODERNO.

No Circo Moderno

A “democracia”

Andou

Na corda bamba

Ô professor

Bota pra fora

O som metálico, inútil

Cheio de cifras oficiais

Ninguém te escuta

Ninguém te escuta mais

Balance as banhas

Do relatório otimista

E coisa e tal

Ninguém te escuta

Esculhambe as efemérides

Econométricamente

Ah!

De efeméride em efeméride

Esses merdas vivem

Fazendo planos

Para mil anos

Ao teu discurso monótono

O rebanho desfila

De ombros baixos.

Mas bastaria

Que um vozeirão

Severo, competente

Conquistasse os canais reservados

Somente aos teus cupinchas

(bastaria?)

No Circo Moderno

A “democracia”

Andou na corda bamba...

...E caiu...

LEIA E DESTRUA.

Leia e destrua

Não trema

Ante ao bronze do marechal

Não lastime

Tua vida desgraçada

As más horas

Que vais levando

A pouco e pouco

Leia e destrua

Não vibre com os jogos e futebol

Nem com a roda, a fortuna

Esqueça a cachaça

E não pense no progresso

Dos buracos inúteis

A fumaça não te interessa

Os prédios ocupam teu espaço

E nada mais

Leia e destrua

(se não quiseres ler

não leia).

MODINHA.

Olhai rato

Abandona o navio

Acende o pavio

Da tua ilusão

Se não quiser

Saia

Vá chorar na praia

No meio do lixo

Da civilização.

JOGO O TEU JOGO.

Jogo o teu jogo

Enquanto não pego

A tua jugular

Pois sob o teu jugo

burguês,

separar

É duro,difícil

O trigo

Do joio

O nojo

Do dia de hoje

Por isso

jogo o teu jogo

Por isso

julgo teu jogo

Por isso

Pretendo fazer-te

Desaparecer.

15 HORAS – POSTO 6.

Nada pior

Que a sem importância

Das coisas sem

Importância

Um toco de lápis

Moedas no bolso

E a nota fiscal-fatura

De 300 gramas de sanduíche

De mortadela.

(tudo isso

e um dia lá em cima

azul, pontilhado

de buzinas e garagens

de edifícios).

CALMARIA – ( à memória de Pablo Neruda).

Adeus teoria

A prática

É rica

Em êros

Incometíveis

Não ria

Dos desacertos

Presentes

E das pretéritas

Dores-de-cotovelo

Das velas ao vento

Do vento que não há

Adeus teoria

Adeus beabá

Ei, Eisenstein!

Adeus montagem de atrações

(O pão dos pobres

os garçons, os

robes de chambre)

Fome, fome, fome

Nas mil línguas dos áudiofones

Da ONU

De Cortazar

Tranzar y avanzar?!

ESTE É O DOBRADO.

Este é o dobrado

Que diverte

Os soviéticos

Nos domingos

Tac, tac, tac

Tacões de aço

No asfalto vincado

Das lagartas dos

Foguetes das paradas

Não é nada

Não é nada

Um espectador

Espanta a mosca

Dos olhos

E dá um suspiro

De 300 anos

Luz para os povos

Luz para os povos

Neste mundo

Onde viver quase

Não é possível.

VIET SONG.

Viet song

Viet sangue

Viet dream

Viet drama

Sai dessa agora almirante Nelson!

Bota na vitrola o Begin the beguine

E dê o bilhete azul pro Ernest Borgnine

Pois o negócio não está fácil

O negócio vai mal.

A GUERRA PORTÁTIL.

Cá nesse quarto do mundo

O troar dos canhões ouvido

À distância

Cabeças viradas em direção do som

Ouvidos atentos às instâncias

Estâncias, estações

Duma guerra que pode ser transportada

Transferida,

E vir ferir nossos ouvidos

Não apenas com os sons

(alto-falantes, teletipos e canhões)

Que venha

Que venha logo

Que nos pegue atentos

Rumo à vitória

Como no Vietnã

Que venha (e eles podem vir

Nesse retorno da explosão

Imperialista

Ásia, África, América Latina, Nova Iorque)

E ocupar nossa baía

A um movimento

Mais brusco

do teu corpo.

ROSA.

Rosa

Vermelha

É rosa

Como deve ser

A rosa

Cheirosa

Sozinha

E alta

Com seus espinhos

- armas parcas

no meio do

canteiro

Nos obriga a um giro

De corpo inteiro

Somente para vê-la.

É quando um tiro

Pela praça ecoa

E esquecemos a Rosa

Que ficou sozinha

Correndo a tempo de ver

A vida que escoa

Um rombo aberto

Na testa de um homem

Sem nome

Caído no meio da praça.

QUINTA-FEIRA.

Júbilo – os espaços

Vidro de ver – camará

Trancados na sala

Família.

Tengo hambre

Sobre a mesa

A fruteira com cera

O brilho do reflexo da luz sobre o verniz

Nesse museu

Artefatos

Made-in-Brazil

Dispostos com economia

Júbilo de ver?

Camará

A cor das carnes

Pálidas sem sangue

(não obstante os corações não param de batucar).

DORMIR...?

Dormir...?

Só lido

o jornal

Não é nada

Não é nada

É mais um dia...

CLASSE DE LUTA

No Brasil

país continente

ninguém morre

de dor de dente

mas passa maus bocados

Foi assim

com compadre meu Adjalma

Que saiu dos confins

de Olaria

e perdeu seu dia

olhando vitrines

no centro da cidade

PODES COMETER QUALQUER CRIME

Podes cometer qualquer crime

Ou apenas deixar o vento agitar teus cabelos

Podes gritar ou viajar

Ou tomar um sorvete de maracujá

Vivemos um verão eterno

Em que os sonhos procuram os sonhos

Os aviões chamam as torres

E ainda assim hibernamos

Podes cometer qualquer crime

É essa a tua libertad?

OS MUITOS CHEIROS.

Os muitos cheiros

Da minha mulher

São para mim

Apenas como um

A ventura

É olhar os olhos

Num ritual

De fundo

Entendimento

Dos sorrisos

Murmúrios

E barulhos

E ela faz música

Pra mim

(eu executo

uma dança)

E ela é sujeito e objeto

(eu sou objeto e sujeito)

de tal sorte

que nem vi esse momento...

De minha mulher

Os momentos

Todos

Disponíveis.

A TORQUATO NETO

Tu não és Iessenine

Eu não sou Maiakovski

Tu ficas

Eu peço mesa

Eu passo

Maus tempos para a poesia

Mesmo que se retirem

Como inúteis

os adjetivos.

Sem romantismos

A cabeça num forno sem gordura

Cujos encantos andaste vendendo

(não, não tentes negar)

E a morte pelo gás!

Tu múmia!

Será preciso te guardar

Enfaixado

por três mil anos

para ver o que perdeste!

Impaciência?

Não queres esperar

três mil anos?

No entanto

Nenhum anjo torto

Desses que usam dragonas

Foi te dizer adeus

O diário oficial

Manteve seu

Silêncio oficial...

Um caso sem importância

Dois maus sonetos

Lágrimas banais

Tu ficas

Eu passo, eu peço mesa

Apesar do sonho terminado,

Argumentar

Quem há-de

Hoje em dia?

Faremos o melhor possível

(você partiu...

...como se diz...

...para o outro mundo)

Para um outro mundo.

DESTRUAMOS O TIGRE.

Destruamos o tigre

de papel

com papel?

com facas?

com gasolina?

que pegue fogo!

(em locais estratégicos)

Acabemos com o tigre

que ruge, gargalha e dita ordens.

Surpresa – para o tigre de papel

Tigre!

Trago-te aqui

Uma dádiva do outro mundo

Abre a boca e fecha os olhos!

(foi assim que consegui,

eu homeopata,

sufocar o tigre

com um punhado

de confete)

ESTA É A TERRA..

Esta é a terra da merda e do mel

tal qual está descrito

na história oficial

de D. Manuel, D. Pedro

e outros dons

Esta é a terra da merda e do mel

Merda pra muitos

Mel pra muito poucos

Quando se der

a tal comoção

nacional

A terra num esgar de nojo

há de vomitar

de seu bojo

A merda e o mel

e o sal e as coisas

dessa terra atual

dos prós e dos contras

da corrida tonta

e da grande boca

de um animal

que ainda se chamará

ser humano

Aí então

essa continuará sendo

a terra da merda

e do mel

Mas todos saberão disso

(E darão à merda o fim

necessário)

HOMEM, HOMENS (1976)

Este é o tal. Aqui há uma composição mais longa que tem a pretensão de mostrar aos outros alguns dados de realidade relativas ao mundo da época, num tom panfletário que apenas causa repugnância aos críticos e ao público em geral. Na verdade, quem fala, fala primeiramente para si, que é quem precisa ser convencido. Não sei porque escolhi o Rockefeller como símbolo da exploração. Tenho que pedir desculpas ao “seu” Rockefeller por isso, ele a quem que o mundo deve a gasolina que impulsiona o progresso, até hoje. Sim, o progresso, junto com as guerras, a poluição dos ares e mares, o Alasca que o diga, e os malditos juros da dívida externa que nos atrelam ao futuro limitado e ao passado de vilipêndios. Além disso, houve aquela rebelião em Áttica, a prisão novaiorquina, e um massacre histórico inédito: um Rockefeller, o Nelson?, era o governador de então que se recusou a negociar. Os americanos sentem, também, na carne, tanto quanto nós. Acho que escrevi alguma coisa sobre isso, na época, que começava assim: “Áttica, ô toca dos toma lá da cá”... Mal sabia que o Carandiru iria superar em muito o massacre em Áttica. E não escrevi nada... A violência já estava banalizada, ou eu que estava anestesiado, fazendo de conta que estava tudo bem? Enfim, Rockefeller até que não está mal escolhido. Tem uma música que fala nele: “Rich as Rockefeller”. E, ainda que reclamemos, estou para ver quem se negue a andar de automóvel para boicotar o Rockefeller. Ando também de carro, mas não consigo evitar um panfletinho, ainda que ridículo. Um panfleto, uma gazeta, uma centelha. Papel pega fogo fácil, tal qual a gasolina e o napalm dos Rockefeller. Foi assim que 1789 aconteceu..., e olha que a Bastilha era pinto perto do que viria depois. Assim, um panfleto é pouco. É muito pouco. Chega a ser ridículo de tão pouco, achar que tenha alguma importância. Então, que seja. (JL, 2001).

HOMEM, HOMENS (primeiro esboço do poema).

1- REALIDADE.

Homem, homens

mercado livre

boas colheitas

campo-de-concentração

fabricação de pão

prisão, prisão

ao redor de “crimes”

Revolução

sangue, suor, secreção

milhares de dentes

mil sorrisos, muitas lágrimas

uma faca, a carne furada

a força de um braço vezes mil.

2- PERGUNTA.

Um homem

O que é um homem?

Rockefeller é um homem

igual a mim?

Se sua cabeça

só pensa em lucros e prejuízos

e eu em juízos

sobre o homem?

3- REALIDADE AINDA.

Homem, homens

mão-de-obra

recursos humanos

músculos tendões

e palavrões.

4- TRABALHO INTELECTUAL.

Os fatos

São os fatos

Coisa diversa

É o que contamos

Dos fatos.

5- TRABALHO MENUAL.

Ei, trabalha

Trabalha

Que não és macaco

Arranca

do solo

o teu sustento

e o dos teus.

Transforma o barro

em tijolo

e o tijolo

em casa

E a casa

em vida...

6- OS TEUS.

Os teus

São os teus semelhantes

Se o teu trabalho

sustenta o padre

e o macumbeiro

alimenta o milico,

o bicheiro e o jogador de futebol

Sustenta também a mim

E também ao Rockefeller

Quem dentre nós

somos teus semelhantes?

7- UM ANIMAL.

O tigre não ataca o tigre

O tigre não ajuda o tigre

Do tigre não tenho nada a dizer

A não ser

Que é um animal.

8- UM HOMEM.

O homem ataca o homem

O homem ajuda o homem

O homem que te ajuda

É homem como você

O homem que te ataca

É animal de outra classe

É crocodilo, é tigre, é patrão?

9- MISTÉRIO.

Mistérios são fatos

Mal explicados

Verdades

Não as encontrarás

Nos rádios, jornais ou televisão

O eu se conta dos fatos

Não são os fatos

Mas pode ou não ser verdade.

10- O HOMEM É UM ANIMAL QUE BATE RECORDES.

Se entre o homem e animal

por enquanto

A diferença é pouca

Nunca é demais lembrar

Que o tempo voa

E num passar a toa

Lá estaremos

Na terra simples

Em que o maior mistério

Trivial, diário

Será do homem

A sua limitação.