Último desejo
No último dia
da minha vida,
cansei-me da solidão
de ser multidão
Nada tinha a perder.
Com jeito,
como quem ama,
sabendo que o feito
é o prenúncio
da fama,
coloquei uma rosa ao peito.
Desci a calçada
levando no peito
quase nada.
Somente a última flor
que encontrei
na berma da estrada.
Mostrei-me na praça pública.
Não disse uma palavra.
Apenas acenei
com gestos inseguros.
Tentei, sem sucesso, gritar
que não era o único
a sofrer
o pânico dos puros.
Vi dois ou três maduros
a parar
como quem goza
a visão dum demente.
De repente
eram mais de quarenta.
Julguei entenderem
a minha mensagem.
Foi-se juntando
uma multidão.
Dos que passeavam,
dos que passavam
por passar,
dos que iam entregar
a última encomenda,
dos que tomam café
sem emenda,
dos que vão à ultima sessão,
dos que querem ir embora
mas não vão.
Dos que vão ao banco
a correr,
dos que pisam o pé do parceiro
sem querer.
Senti a multidão hesitante.
Por um instante
senti que ia ser Rei.
Por um momento sonhei
ser o rei dos puros.
Não sei
porque impulso,
sem nada dizer,
um a um,
cada qual seguiu seu caminho
Fui o último a partir.
Mergulhei no rio.
Deixei meu testamento
na margem.
Num papel que encontrei
deixado pelo vento
escrevi:
Vou de viagem.
Quem quer sonhar comigo
que deixe o seu abrigo
e tome a carruagem.